Aqueles que se dedicam à produção artística desenvolvem, em sua maioria, uma contribuição evolutiva para o plano coletivo. E nunca há de se saber quando aquele conteúdo, esforço, mensagem, fará sentido. Você sabia que o pintor Vicent Van Gogh morreu em situação de miserabilidade? Ele deixava de comprar comida para bancar as tintas e telas que absolutamente ninguém entendia ou comprava. Para quem vai ficar de férias, ou para pais que se preocupam em educar e despertar nos filhos um sentido mais profundo da vida, vale assistir à série Anne com E, disponível no Netflix. Nas férias (e quarentena) passada fiz maratona com direito a muita pipoca junto ao meu filho, na época com 11 anos. Conhecida por ter, aparentemente, contextos infanto-juvenis, as três temporadas foram criadas a partir do livro ‘Anne de Green Gables’, datado de 1908 e escrito pela romancista canadense, Lucy Montgomery. Mas apenas há dois anos, com a reprodução cinematográfica, tal coletânea ganhou o mundo, mais de um século depois. A escritora Lucy cumpre lindamente sua missão, independente do tempo e do espaço.
A ruiva protagonista, Anne Shirley, logo me chamou a atenção pela inteligência e pelos 13 anos entre idas e vindas em um orfanato. A espera por ser escolhida e adotada, uma verdadeira escola de como lidar com o tema abandono, nos traz o sentimento de compaixão e torcida por Anne, que fora várias vezes ‘devolvida’ à assistência social. A querida personagem descobre uma força impressionante e que, acredito, ser a mensagem principal do roteiro: não se auto-abandonar. Ao longo das nossas vidas temos diversas relações. Com a família, amigos, colegas de escola, trabalho, parceria romântica, filhos, etc. Neste trama relacional temos papeis sociais (mãe, pai, líder, etc), contudo, é preciso estar atento ao que de fato, se exerce e se espera o ‘troco’, a aceitação, dos outros. Quando o médico indiano e pesquisador da física quântica, Deepak Chopra, nos conforta ao dizermos que ‘somos todos feitos de poeira das estrelas’, e estamos na verdade, em ‘jornada cósmica’, realmente passo a compreender o sentido de irmandade, inclusive com aqueles a quem foi dado temporariamente algum nível de hierarquia e poder sob nós.
Ora, quantos de nós nos sentimos pais de nossos pais muitas vezes na vida? A narrativa de ‘Anne with E” é um deleite de contestação sobre todo tipo de estigma, política e paradigma social. Pais que abandonam existem aos milhares. O Brasil inclusive é um país com recorde de filhos que não são registrados pelos homens genitores. Mais de 80 mil crianças foram registradas nos cartórios brasileiros no 1º semestre de 2020 com o nome do pai em branco. A privação afetiva não está apenas no registro timbrado e autenticado. É mais intensa: pois há famílias castradoras e vampirescas do emocional dos seus com papel passado. Há círculos familiares, acadêmicos, profissionais, relacionais, dentre outros, que tratam-se de um verdadeiro pandemônio. Anne vai amadurecendo, consegue ser adotada por dois irmãos e amplia seu conceito sobre o que pode ser nomeado de família, amizade, escola, ou qualquer outro espaço de convívio que são, cada vez mais determinados por laços de afinidade e respeito. Família é quem te respeita. Amigo, amor, colega, parceiro é quem te respeita. Respiremos esse mantra, mas principalmente, vamos aprender com Anne a não se auto-abandonar em nenhuma ocasião: nem emocionalmente, fisicamente e nem financeiramente.
Por isso que quando alguém chegar em sua vida, seja lá como for, saiba que pode haver traumas, medos, expectativas e, como todo ser humano, uma necessidade imensa de ser amado e acolhido. Gosto de quando Jesus dizia ser o filho do ‘homem’. Ele traz implícito a sua humanidade e condição terrena, sem desrespeitar aos pais, mas mesmo assim, sendo avassalador no tema irmandade, servindo de ímã para os que desejassem seguir o reino da consciência, bem à frente do que prega uma sociedade submissa aos costumes e papeis sociais temporários e rasos. Não quis trazer spoiller sobre a série, porque talvez haja apenas uma produção cinematográfica para encerrar a saga de Anne. Ao invés disso, colhi algumas frases que me impactaram muito. Cada uma delas valeria meditação, reflexão individual ou em troca com pessoas que se predisponham a isso. Liberemos e limpemos qualquer vestígio de dor daqueles que não puderam cumprir com seus ofícios sociais. A gente só pode realmente dar o que tem. Abrace este coração calejado e encontre aquele amor essencial por você dentro desse peito valente.
Segue aqui as doze lições – ou 12 mandamentos – da série/livro Anne com E:
1. Honraremos nossas emoções para que nossos espíritos triunfem;
2. Eu escolho a mim mesma e assim jamais ficarei decepcionada;
3. Não há nada de errado em ser diferente;
4. Mulheres não se completam com um homem. Mulheres já são completas quando chegam ao mundo;
5 . É claro que você precisa saber ler. Ler é tudo. Todo livro contém um mundo inteiro;
6. Os sonhadores mudam o mundo;
7. Ninguém, além de você, pode determinar o seu valor;
8. É completamente irracional esperar ser feliz o tempo todo. Não conhecerá a alegria se não souber o que é a tristeza;
9. A mudança de uma nova estação traz possibilidades. E todos nós não merecemos isso? Um novo começo, ou a sensação de um, pelo menos;
10. As pessoas enxergam o que desejam, independente da verdade;
11. Não é o que o mundo reserva para você, mas o que você traz para o mundo;
12. Às vezes, é preciso deixar as pessoas amarem você.

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