Isto porque a cada dia de buscas de vítimas da tragédia de crime ambiental em Brumadinho, ocasionada pelo rompimento da barragem do Feijão na última sexta-feira, dia 25, o número de mortos só aumenta (último registro contabilizou 110 óbitos). Ao passo que o número de pessoas tidas como desaparecidas, contabilizadas em 238, diminui. E passados sete dias misturadas à lama formada por rejeito é praticamente impossível achar sobreviventes.

Direto de Brumadinho (MG)

Os comandantes das equipes de busca do Corpo de Bombeiros em Minas Gerais registram diariamente, mais ou menos por volta das 18h e em coletiva à imprensa, na estrutura montada no pátio da faculdade ASA, na rodovia que dá acesso à cidade e uns metros antes da entrada de Brumadinho, o saldo do maior crime ambiental cometido no Brasil: rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Após as atualizações, as buscas cessam e recomeçam no outro dia, às 6h.

Na última quinta-feira, dia 31, os números oficiais dos Bombeiros contabilizavam 110 mortos, 71 corpos identificados e 238 pessoas desaparecidas, sem qualquer vestígio ou fragmento de corpo que possa ainda identificá-las. E não bastam os bilhões já bloqueados pela justiça. Não bastam as cinco pessoas presas envolvidas na confecção de laudos fraudulentos. Não basta a mineradora dizer que vai doar R$ 100 mil a cada uma das famílias de vítima fatal. Porque as vidas perdidas não voltam.

Isto porque a cada dia de buscas de vítimas da tragédia de crime ambiental em Brumadinho, ocasionada pelo rompimento da barragem de Feijão na última sexta-feira, dia 25, o número de mortos só aumenta – último registro contabilizou 110 óbitos. Ao passo que o número de pessoas tidas como desaparecidas, contabilizadas em 238, diminui. E passados sete dias misturadas à lama formada por rejeito é praticamente impossível achar sobreviventes.

Desespero de parentes e amigos de vítimas, que após horas buscando, sabem das trágicas notícias de morte (Foto: Isis Medeiros)

É assim que vivem os familiares, amigos e parentes das vítimas fatais de Brumadinho, angustiados, aflitos por notícias, apegos às próprias crenças religiosas, desejosos de uma boa notícia, mesmo sabendo que depois de sete dias e em meio à lama de rejeitos com extensão quilométrica é impossível achar sobreviventes entre o número de desaparecidos.

A dimensão da tragédia fica mais evidente quando se percorre o caminho para chegar ao alto da mina, lá na comunidade Córrego do Feijão, pelo único percurso hoje possível, por meio da estrada da Serra do Rola Moça. São 56,6 km. Antes da tragédia, existia uma estrada na zona rural que dava acesso facilmente à cidade de Brumadinho, percorrendo uns 7 quilômetros. Essa estrada e todas as propriedades que ali existiram sumiram cobertas pela lama de rejeitos.

Do alto da mina até a área atingida, mais uns 50 quilômetros. Toda a região pertence à zona rural de Brumadinho e abriga mais ou menos 140 famílias, de pessoas simples, que relatam com certa ingenuidade as ações da mineradora meses antes da tragédia, como Seu Wilto Tote, aposentado pela Vale e dono da única mercearia da comunidade.

Helicópteros do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais resgatando vítimas em meio à lama (Foto: Isis Medeiros)

TREINAMENTO DE FUGA

“Assumi a venda do meu pai ano passado. Trabalhei na Vale desde 84. As pessoas já sabiam que isso podia ocorrer porque eles (A Vale) fizeram treinamento para ensinar as pessoas a fugirem, disseram que quando a sirene tocasse era para as pessoas correrem, distribuíram até sacolinhas, minha sogra, acho, ainda tem uma sacolinha dessa. Mas a sirene não tocou. Eu acho que deve ser porque a energia acabou uns minutos antes, e a sirene não tocou. Se tivesse tocado seria diferente, porque um minuto pode salvar a vida de alguém. E uma barragem não se rompe de repente”. Seu Wilto, que mora na comunidade e é um dos sobreviventes, viu muitos amigos, conhecidos e moradores de Brumadinho desesperados à procura dos familiares.

Como Sayri Paupulini Osawa, esposa de Maxi de Medeiros. “Essa barragem era para ter sido desativada. Meu marido estava trabalhando em Jangada (outro local), e foi transferido pra cá. Tudo na Vale é para minimizar custos, tudo é dinheiro, no Brasil tudo é uma troca de favores. Teve até relatório dizendo que se o alarme soasse, era para fugir. A Vale quer doar R$ 100 mil para cada família. Mas eu quero meu marido vivo”.

Populares e moradores observam o mar de lama de rejeitos que virou as comunidades locais da zona rural de Brumadinho (Foto: Isis Medeiros)

LUCRO DE R$ 263 MILHÕES

A Mina Córrego do Feijão, de 1988 até 2019, já foi autuada e multada pelo Siam (Sistema Integrado de Informação Ambiental) pelo menos cinco vezes em infrações ambientais. Nos processos digitalizados destes autos há degradação ambiental, deslizamento de talude na estrada, e danos aos recursos hídricos da região entre os anos de 2007 e 2009. Mas, para a empresa, essas multas são insignificantes assim como a vida das pessoas. E essa pouca importância pode ser testada por meio das cotações da bolsa de valores. Isto porque, mesmo sofrendo uma forte queda logo após cada tragédia, a companhia logo volta a operar em alta.

Em novembro de 2015, por exemplo, a companhia Vale, proprietária de 50% da Samarco, teve uma queda de apenas 8%, equivalente a um montante de R$ 45,9 bilhões. Agora, em novembro de 2018, a companhia já tinha recuperado este valor, voltado a lucrar e fechou em alta com R$ 263 bilhões. Comprovando que tragédias como Brumadinho ou Mariana não abalam a liquidez de mercado da empresa, já que no Brasil, como bem disse uma das vítimas, “tudo é troca de favores”.

CALA-BOCA DE R$ 100 MIL

E se não é troca de favores, ou doação de dinheiro. “A Vale está dizendo que vai doar R$ 100 mil para cada uma das famílias de vocês. Vocês sabem o que isto significa né, é pressão”, disse o prefeito de Brumadinho, Alvimar de Melo, ao ser pressionado por um grupo de familiares de vítimas e repórteres, ali no pátio do centro comunitário.

Prefeito de Brumadinho Alvimar de Melo, sob pressão, insinua que doações de R$ 100 mil a vítima é cala-boca dado pela mineradora (Foto: Isis Medeiros)

POLÍTICOS COM R$ 79 MILHÕES DA VALE

E talvez a mineradora, responsável pelo rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, faça mesmo essa barganha e dê esse cala-boca como fez ao distribuir R$ 79,3 milhões para políticos brasileiros de todos os partidos e em todas as esferas do poder, no ano de 2014, apenas um ano antes do rompimento da barragem de rejeitos de Mariana, em MG, em que 19 pessoas morreram.

Quem revela os fatos e os documenta é o livro “A Questão Mineral no Brasil”. Aparecem na lista de doações figurões da política nacional como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), com R$ 12 milhões; o senador Antônio Anastasia (PSDB/MG), que chegou a ser presidente de comissão para segurança de barragens e teria recebido R $ 1 milhão; o ex-governador Fernando Pimentel (PT), com R$ 3,1 milhões.

Em meio a dor, o conforto de amigos e familiares próximos é a forma de enfrentar o caos. Porque a própria Vale não está auxiliando as vítimas como deveria (Foto: Isis Medeiros)

FUNCIONÁRIOS PROIBIDOS DE FALAR

Nestes dias de desespero, a mineradora pouco apareceu. Viam-se voluntários de todas as partes do país, de profissões variadas, caminhando pela comunidade do Feijão, pelo entorno da mina, na cidade de Brumadinho, mas funcionários da mineradora mantiveram a política de afastamento. Mais preocupada em “esconder” as pessoas dos olhos da imprensa, na cidade os comentários dos familiares são os de que os funcionários da Vale estavam sendo proibidos de falar – as vítimas hospitalizadas não concediam entrevistas com facilidade.

“Meu irmão não pode falar porque a empresa (Vale) o proibiu de contar a história dele. Disse para ele ficar em casa, evitar sair”, revela a proprietária de uma pequena lanchonete no centro da cidade de Brumadinho. Com os olhos claros cheios d’água, ela relata uma das poucas histórias de final feliz em meio ao caos.

Casa de morador fica marcada por lama de rejeitos do rompimento da barragem de Brumadinho (Foto: Isis Medeiros)

MESMA HISÓRIA, DOIS FINAIS DIFERENTES

“João sobreviveu à tragédia porque não era mesmo o dia dele. Eu creio nisso. Porque naquela sexta-feira o chefe dele pediu para ele terminar de preencher uns relatórios e ele não desceu pra mima. Ficou preenchendo esses relatórios e se atrasou. Quando ele terminou esse serviço, o ônibus que leva os funcionários à mina já tinha passado. Ele perdeu o ônibus. Aí, mais ou menos 12h, ele tentou ir. Mas a energia acabou e ele se atrasou mais ainda. E justamente nesse horário a barragem desabou. Se o chefe dele não tivesse mandado ele preencher esses papéis ele poderia estar morto hoje. Meu irmão acredita muito em Deus e vê nesse fato um livramento de Deus. Sei que é triste tudo o que está ocorrendo. E eu não tiro a dor das vítimas e dos parentes de ninguém. Tenho muitos amigos que perderam familiares nesta tragédia. Mas eu estou feliz por meu irmão estar vivo. E eu agradeço ao chefe dele por ser tão insistente, tão chato. Digo que essa ‘chatice’ salvou a vida do meu irmão”.

E continua: “As coisas de Deus [às vezes] são incompreensíveis perto da nossa ignorância. As coisas de Deus são um mistério. Nós temos um conhecido que é amigo de João e estava querendo se aposentar, ia se aposentar, estava com toda a documentação para dar baixa na carteira. Ele nem estava mais trabalhando lá na Vale não. Mas naquela sexta-feira ele (esse nosso amigo) foi na empresa no horário da tragédia apenas para assinar esses papéis da saída dele da empresa. Ele morreu soterrado pela lama. A mulher dele está inconsolável, dizendo que ele foi na empresa apenas para morrer”.

Lama formada por rejeitos de minério destroi propriedades de cerca de 140 famílias. E onde existiam casas e até uma pousada renomada hoje sobre apenas lama e desolação (Foto: Isis Medeiros)

“ESCONDIDOS” EM HOTEL CONFORTÁVEL

Os desabrigados e agora sem casa para morar foram instalados em um confortável hotel de BH, o Intercity BH Expo. Com 14 andares, com piscina, área de lazer, localizado na avenida Amazonas, uma das principais vias de BH, com pratos à La Carte ou buffet ao preço de R$ 39, dificilmente seria acessível para a maior parte dos trabalhadores da zona rural da pacata Brumadinho, a cidadezinha de aproximadamente 35 mil habitantes, que, apesar de abrigar o maior museu a céu aberto do mundo, com esculturas ambientais, o famoso Inhotim, não consegue sustentar a própria população. Será mais um “cala-boca?”.

Coincidência ou não, a reportagem do Cinform se hospedou no Intercity BH Expo durante os dois últimos dias em que permaneceu em Minas Gerais, quarta e quinta-feira, dias 30 e 31, respectivamente, durante a cobertura da tragédia. E conseguiu falar com algumas vítimas de Brumadinho ali mesmo, no hotel. Elas, as vítimas, se parecem. Com trajes simples, quase todos os homens e mulheres com chinelos nos pés, bermudas surradas, pele castigada pelo sol, e o olhar de desolação, de tristeza.

Ao circular pelas dependências do hotel é possível encontrá-los, quase sempre estão cabisbaixos. “Eu, de Brumadinho? Sim, sou do Parque das Cachoeiras, moça. Perdi tudo, não tenho mais casa. A Vale me colocou aqui no hotel. Estamos em muitos aqui, deve ser mais de 20 pessoas. Nos espalharam nos hotéis. Daqui a pouco minha mulher chega. Ela está lá em cima ainda (no quarto)”, diz um dos sobreviventes, enquanto coloca café na xícara. E emenda: “Agora quem vai cuidar disso é o Ministério (Ministério Público de Minas Gerais). Está lá com eles (MP)”. E termina a conversa com um desolador “Mas eu não sei o que vai acontecer não”.

Oficiais do Corpo de Bombeiros conversam com moradores da comunidade Córrego do Feijão e acabam admitindo irregularidades da Vale (Foto: Isis Medeiros)

SÓ 35 FISCAIS PARA QUASE 800 BARRAGENS

É a fala de quem, apesar de não ter estudo, sabe muitíssimo bem como funcionam as coisas no país. Ou como não funcionam. Uma destas coisas que não funcionam em nosso país é a fiscalização. De acordo com a ANM (Agência Nacional de Mineração), existem no Brasil apenas 35 fiscais aptos para atuarem, fiscalizando as 790 barragens de rejeitos existentes no Brasil, idênticas às localizadas nas cidades de Brumadinho e de Mariana; Córrego do Feijão e Fundão respectivamente. Somente em Minas Gerais há aproximadamente 450 barragens de rejeitos. E é dali também os últimos 4 rompimentos de barragens de rejeitos nas últimas décadas.

Com a falta de fiscalização, a leniência do Estado, e os afrouxamentos das leis ambientais, as mineradoras acabam se autofiscalizando. O que quer dizer isso? Quer dizer que elas próprias fornecem documentos e relatórios para empresas privadas de consultorias e essas empresas produzem laudos e, nestes laudos, atestam a segurança das estruturas das barragens. Ou seja, é o criminoso fazendo a própria defesa. Foi exatamente assim que aconteceu agora em Brumadinho. Isto porque os engenheiros da empresa alemã TÜV SÜV, presos na última terça-feira, dia 29, atestaram a segurança da barragem com base em documentação fornecida pela própria Vale. E as poucas possibilidades da existência de uma fiscalização efetiva da União por vias legais não ocorrem no país.

Só para se ter uma ideia da gravidade do problema das barragens no Brasil e da falta de fiscalização e da corrupção que envolve essa falta de fiscalização, no final de 2018 o Senado arquivou um projeto de Lei de nº 12.334/210, que visava “prover os recursos necessários à garantia da segurança das barragens (…)”. Este projeto, que tramitava na comissão de barragens desde 2016, não foi para frente, apesar das inúmeros tentativas de o relator dele, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que diz estar cansado de perder. “Infelizmente a análise do nosso projeto não andou. É um setor (de mineração, de barragens) que faz autogestão da segurança. Porque a União, que deveria fazer essa fiscalização, não faz”.

Os dizeres do senador Ricardo Ferraço são bem explicitados por um dos mais renomados juristas brasileiros, Onofre Alves, professor de Direito público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O professor releva que a legislação estadual mineira, que não foi adiante, já havia proibido a utilização de barragens em Brumadinho. “Os relatórios de estabilidade das barragens são apresentados pelas empresas, e cabe ao órgão público verificar as informações apresentadas, mas faltam recursos, instrumentos, fiscais e técnicos especializados. Assim, não há rigidez na verificação destes relatórios”.

Bombeiros entram no local acima da barragem, uma espécie de teto da mina. Distância morro a abaixo que a lama atingiu, até a cidade de Brumadinho, é quilométrica e equipe a aproximadamente 300 campos de futebol (Foto: Paula Coutinho)

JUSTIÇA BLOQUEIA MAIS DE R$ 11 BILHÕES

No último domingo, dia 27, o valor estipulado pela justiça para o bloqueio das contas da Vale já estava em R$ 11 bilhões. Sob a posição da justiça, o advogado de defesa da mineradora, Sérgio Bermudes, chegou a afirmar, em entrevista ao Estadão, que “a Vale não vê responsabilidade, nem por dolo (que é infração intencional da lei), nem por culpa (que é infração da lei por imperícia, imprudência ou negligência. Ela (a Vale) atribui o acontecido a um caso fortuito que ela está apurando ainda”.

As justificativas da defesa, porém, parecem não ter agradado a justiça que, na última quinta-feira, dia 31, mandou bloquear a exata quantia de R$ 800 milhões. De acordo com nota emitida pelo MPMG, o bloqueio nas contas da Vale S.A foi para assegurar pagamentos e indenizações trabalhistas.

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