Na polícia existem pessoas extremamente privilegiadas, ganhando hora extra e isso e aquilo; mas quem está realmente arriscando a vida para trabalhar não tem nenhuma ajuda

O nome dela é Danielle Garcia. A profissão, delegada de polícia. Na bagagem, a experiência de ter idealizado o Deotap – Departamento de Crimes contra a Ordem Tributária e Administração Pública – e estar à frente dele até o ano de 2017. No rosto, o sorrisão aberto de quem encara qualquer trabalho com presteza. De falar objetivo e gestual rápido, Danielle não é uma ‘delegada de gabinete’.

Gosta mesmo é de estar em ação. Hoje comandando a delegacia da Barra dos Coqueiros, região metropolitana que compõe a grande Aracaju, a profissional da área de segurança está sim cotada pelo ministro da justiça e segurança pública, Sérgio Moro, para ocupar uma vaga em Brasília.

Sob a questão, a delegada faz charme e desconversa: “Ainda não tem nada acertado não”. E, especulações à parte, Danielle esteve mesmo em Brasília na última sexta-feira, dia 1º. Mas não era a convite de Moro e sim para acompanhar de perto a posse do deputado federal Laércio Oliveira e do senador Alessandro Vieira, amigos dela. Comandando a delegacia da Barra dos Coqueiros, ela relata como é atualmente o cotidiano do próprio trabalho. Abaixo você confere também as impressões dessa delegada acerca de assuntos primordiais como segurança pública, regimes penitenciários, perspectivas (ou não) para a juventude, apreensões de drogas, trabalho da polícia e pretensões políticas.

“Cheguei à Barra no final de março de 2018, e acho que estamos fazendo um bom trabalho, apesar do efetivo inexpressivo. A rigor eu tenho quatro policiais de rua para investigar e duas escrivãs de polícia, uma delas fica de manhã e outra, à tarde. São quatro policiais que se desdobram em mil. Mas a gente está fazendo um número de prisões muito maior do que o que estava acontecendo. Nós apreendemos droga praticamente toda semana na Barra dos Coqueiros”.

“Percebo que a proximidade da Barra com Aracaju traz os problemas de Aracaju para a Barra, e vice-versa. Então a droga chega muito fácil. E a questão da ponte realmente facilitou o transporte. Tem muito roubo também. Eu fico muito triste porque eu vejo a juventude perdida. A juventude toda envolvida com droga e que, para sustentar o vício, assalta. É um ciclo vicioso. Eles (os jovens) não conseguem sair deste ciclo. E são jovens em idade produtiva, que podiam estar empregados em alguma área e não estão”.

“Nós estamos em um estado extremamente pobre, sem emprego, com uma inflação altíssima, e ninguém tem oportunidade. A polícia é sempre a culpada de tudo. Mas ninguém vê que a falta de educação, saúde e moradia que ocorreram lá atrás geram esse ciclo vicioso que a gente tem hoje. A bomba só estoura no colo da gente (da polícia). Ninguém vê a quantidade de prisões, de autuações que a gente faz, no final de semana aqui na Barra. E isso fora do horário de trabalho. A verdade é que na polícia todo mundo se doa um pouco. Dia desses uma vítima foi roubada as 11h da manhã. Nosso expediente termina às 13h. Mas, mesmo assim, os meninos (policiais) saíram em diligência e terminaram 7h da noite”.

“Prendemos um menor, apreendemos colete balístico, pistola, munição, telefone celular da vítima, documento. Porém, nem todo mundo está disposto a fazer isso, a trabalhar de graça. Porque, enquanto a gente vê que na polícia existem pessoas extremamente privilegiadas, ganhando hora extra e isso e aquilo; gente que está realmente arriscando a vida para trabalhar não tem nenhuma ajuda. É muito difícil ser polícia hoje. A cobrança da sociedade é enorme, a cobrança da própria instituição é enorme. E a gente não consegue fazer muito. A gente enxuga gelo”.

Repórter do CINFORM e a delegada em entrevista durante um dos plantões da policial

A senhora está falando da juventude e do envolvimento dos jovens com drogas. O que efetivamente contribuiria para minimizar a violência, na sua visão, de delegada?

Eu acho que duas coisas importantes, educação em primeiro lugar. E segundo, perspectiva de futuro, com empregabilidade. Porque veja, é muito difícil você chegar para uma pessoa pobre, um jovem que mora, por exemplo, no antigo canal do Cotinguiba, na Barra dos Coqueiros, que era um lugar que não tinha saneamento básico, não tinha nada, e dizer: “Vá estudar, perca o seu dia inteiro estudando. Esse jovem pode virar pra você e dizer: “Qual a garantia que eu vou ter emprego? ”. E não há mesmo nenhuma garantia. Aí, chega um traficante e diz assim para esse mesmo jovem: “Se você virar olheiro pra mim eu te dou R$ 100 por semana”. Esse jovem vai querer ir para o mundo do trabalho?

E aí é o começo…

É o começo. Mas é o começo do fim. Porque estes jovens não passam dos 25 anos de vida. E é também o começo do fim da sociedade, porque hoje em dia todo mundo vive com medo de ser assaltado. Eu não sei se você sabe do latrocínio recente que ocorreu com um médico lá na Barra. Vou te contar. O assaltante é uma pessoa que já tinha sido presa por roubo, estava solta, porque as nossas leis infelizmente permitem isso. E é uma pessoa que não tem nada a perder, se der na cabeça dele de matar, ele mata a vítima. Porque a vida (no Brasil, com essa legislação frouxa) não custa nada. Nós temos um problema sério aqui no estado. Nós (Sergipe) estamos há anos sem o regime semiaberto funcionando.

O que significa isso?

Vamos a um exemplo. Um preso por latrocínio, que é o roubo seguido de morte. Ele é condenado e começa a cumprir pena em regime fechado, vai para o Copemcan (Complexo Penitenciário Manoel Carvalho Neto, em São Cristóvão ¬ SE), ou para o Santa Maria, ou para Socorro. Depois de um tempo, esse preso progride de pena e vai legalmente para o regime semiaberto, que seria em São Cristóvão. Ocorre que em São Cristóvão o sistema penitenciário de regime semiaberto está fechado.

Geralmente este tipo de presídio consiste em instalações em que os presos aprendem alguma profissão, aprendem a plantar, a fazer marcenaria. Mas aqui em Sergipe os presos estão saindo do regime fechado e indo direto para o regime aberto. Então o cara vai preso hoje e daqui a pouco ele está solto. Porque ele sai do regime fechado e, como o estado de Sergipe não tem o regime semiaberto, o cara vai para rua.

Por que Sergipe não tem o regime semiaberto?

Porque interditaram o presídio, fecharam as instalações e o governo nunca deu nenhuma atenção para isso.

De quantos anos para cá isso acontece? Já tem um tempinho né…?

Tem. Acho que desde o final do primeiro governo de Jackson Barreto. Então, é a polícia prendendo e eles (bandidos) sendo soltos. Aí você se pergunta: “É culpa da justiça? ”. Também não é porque a lei fala que na progressão de pena o preso tem que passar pelo regime semiaberto. Mas, se o regime semiaberto não é oferecido, o preso tem que ser solto. Porque esta é a lei. Então, não é a polícia nem a justiça que estão descumprindo a lei. É o estado que é o culpado. A justiça está cumprindo a lei. O estado (de Sergipe) é que não está cumprindo o papel dele. Porque veja, o estado tem que retirar os bandidos da rua para que as pessoas tenham segurança, e para que possam andar nas ruas.

A senhora falou que o estado precisa dar segurança às pessoas. Um dos slogans desse novo governo federal durante a campanha foi a promessa armar a população. Mas, se por vezes nem mesmo o policial está livre de ser atingido pelo bandido, e a população, que não sabe usar uma arma, estará protegida com uma arma nas mãos?

Saiu o decreto novo agora de posse de arma. O que foi facilitado agora é a questão de ter uma arma em casa, ou em um sítio, ou em um estabelecimento comercial. Isso não autoriza ninguém a sair armado. Porque porte de arma é outra coisa. Se alguém botar uma arma na cintura, sair às ruas e for pego por um policial, isto é crime de porte de arma.

Mas quem deve garantir a segurança do cidadão? Deve continuar sendo o Estado?

Eu acho que tem que ser o Estado. Independentemente de posse de arma. Porque a segurança pública tem que ser ofertada pelo Estado. Agora, nada impede, na minha opinião, que o particular também possa reforçar a sua própria segurança. Penso mais ou menos da seguinte maneira: se você tem uma casa e um bandido pode pular um muro, então, para reforçar a segurança da sua casa você pode botar uma cerca elétrica. A arma seria mais uma ferramenta, mas isso não exime o Estado de garantir a segurança pública. Eu vejo que o problema no Brasil é a gente espera demais do governo. Mas ninguém quer fazer a própria parte.

Fui fazer um curso de férias no exterior. E em uma das aulas de inglês a discussão era ambiental. Um aluno perguntou assim: “Quando você vai escovar os dentes, você fecha a torneira?”. Aí os professores da Inglaterra ficaram pensando que aquela era uma pergunta idiota (…)

É, porque todo mundo fecha … eu fecho

É, eu também fecho. Mas nem todos fazem isso. No primeiro mundo nem se discute isso porque isso é inerente. Vai passar o shampoo no cabelo, fecha. Mas no Brasil isso não é assim. Coisas básicas a gente no Brasil não tem. Somos criados para sempre dar um jeitinho, passar à frente dos outros de alguma forma, não tem cuidado com nada. E isso vai resvalar na questão da segurança.

A senhora está falando em jeitinho. Mas isso também não seria uma corrupção? A gente fala tanto em acabar com corrupção e comete pequenas ilícitos

Eu não tenho dúvida disso. Quer um exemplo? Eu sou delegada e já fui parada em blitz. Quando um policial me reconhece ele logo me libera sem por vezes nem olhar minha habilitação. Aí eu pergunto ao policial: “Mas você não vai nem olhar minha habilitação para ver se está em dia?”. E digo: “Por favor, eu quero te mostrar minha habilitação para você ver que está em dia”. Eu sou tão atenta às minhas obrigações que não consigo pensar diferente. Só que nem todas as pessoas são assim. Muitas querem dar um jeitinho e burlar as leis. Aí a gente tem esse Brasil todo desvirtuado do jeito que está, com os jovens perdidos, sem nenhuma perspectiva e a droga tomando conta de tudo.

Por que as drogas entraram na sociedade de maneira tão voraz? É pela facilidade em comprar?

Na verdade, a juventude é muito propícia a isso. Na minha época de jovem a minha mãe fazia um terrorismo tão grande em casa que a primeira vez que eu vi cocaína na minha vida foi em uma operação como delegada de polícia. Porque eu nunca tinha visto e minha mãe sempre foi extremamente rigorosa. Porém, nem todas as famílias são assim. Às vezes o jovem começa experimentando por recreação e se vicia. Agora, imagine isso para quem não tem perspectiva nenhuma, para quem mora em comunidades como no canal do Guaxinim, na Barra dos Coqueiros.

A senhora é um nome super conhecido em Sergipe, tem alguma pretensão política?

Eu nunca tive nenhuma pretensão política porque eu não gosto. Gosto mesmo é de trabalhar na polícia porque eu gosto de investigar. Nestas últimas eleições, Alessandro Vieira me procurou, insistiu, mas eu não quis entrar na política. Passou-se o processo eleitoral, Alessandro ganhou para senador e eu continuo com o mesmo pensamento de não querer entrar para a política. Porém, com uma diferença. Porque às vezes a gente cansa de tomar porrada né?  

Se eu conseguir trabalhar de forma tranquila nessa atividade de polícia não tem problema. É o que eu quero. Agora, me deixem em paz, me deixem trabalhar. Porque algumas perseguições e retaliações que estão acontecendo são ingratas comigo. Pensaram que quando eu saísse da Deotap, pensaram que eu fosse me apagar, só que isso não aconteceu. Agora, se eu sentir que vão me perseguir para não me deixar trabalhar, não vai sobrar nenhuma alternativa a não ser entrar para a política, lá para 2020, 2022. Mas, neste momento, eu não tenho nenhuma pretensão de entrar para a política.

Você apoiaria nomes como o de Emília Corrêa?

Emília é uma querida, muito minha amiga. Inclusive, na época da eleição eu quase me filiei para sair com ela como deputada. Emília é super atuante, guerreira, honestíssima. E se Emília se decidir a sair como prefeita, eu apoio. Se ela for candidata estarei do lado dela. Assim como com Milton Andrade, que é um jovem cheio de ideias, um empreendedor. Acho que é uma pessoa que tem que estar nesta próxima leva de pessoas jovens na política. Mas para 2020, quem sabe eu mesma não me filie e a gente monte um grupo. Porém, o que eu sonho é que a polícia civil não perca de protagonista no combate à corrupção.

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