Especialistas e personagens debatem os impactos e prejuízos dos estereótipos

Elis adora salada e ama esportes. Pedala e corre com frequência, e vem se aventurando a conhecer mais sobre a prática do pole dance. Para se exercitar, ela usa leggings e tops esportivos, deixando a pele à mostra e exibindo à vontade suas curvas. A essa altura, você já deve ter formulado alguma imagem de Elis em sua mente, baseada em estereótipos. Raramente, alguém a imaginará como ela realmente é: uma mulher gorda e feliz.

A descrição acima pertence à jornalista Elisângela Valença, de 39 anos. Diariamente, ela se vê enquadrada em rótulos sociais colocados por outras pessoas. “Gordo é sempre doente, preguiçoso e não tem vergonha na cara. E tem a obrigação de ser engraçado, já que não atrai pela aparência”, relata. E assim como Elis, inúmeras pessoas são pré-julgadas e rotuladas todos os dias.

Conceber ideais sobre quem ou aquilo que não conhecemos é um processo natural. O problema é quando esses pré-conceitos não evoluem, e a pessoa é reduzida a estereótipos que anulam sua identidade e particularidades. Ou pior: é julgada por algo que nem mesmo condiz com sua personalidade e comportamentos. Assim, os rótulos se transformam em pesos e em ferramentas de opressão.

PSICOLOGIA

Pesquisadora Dalila alerta para os prejuízos dos rótulos (Foto: Arquivo Pessoal)

A professora Dalila Xavier de França, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe – UFS, coordena um grupo de pesquisa que se volta aos estudos nas áreas de socialização, preconceito e estereótipos, entre outros temas. Segundo Dalila, os estereótipos são construídos a partir das categorias que utilizamos para reconhecer o que está em nosso entorno.

“Nas relações, tendemos a atribuir valores às categorias, influenciados pela cultura. Essas avaliações compõem os conteúdos dos estereótipos que são entendidos, de modo simplificado,  como características atribuídas às categorias sociais, que são generalizadas e carregadas de valores. Os estereótipos são criados e transmitidos no contexto social. No processo de socialização, tendemos a ver pessoas e grupos em conformidade com os estereótipos”, resume a pesquisadora.

Dalila afirma que os estereótipos e rótulos podem trazer prejuízos. “Um dos maiores prejuízos é o preconceito, ou seja, avaliar a pessoa e concluir algo sobre ela sem  a conhecer. Apenas por ver ou saber seu gênero, sua idade, sua cor de pele, seu nível econômico. Isso pode gerar a discriminação, ou seja, negar à pessoa um direito pelo simples fato de ela pertencer a um determinado grupo. O preconceito produz sofrimento psíquico, baixa auto estima, prejuízos à identidade social, depressão, entre outros problemas de ordem psicológica”, esclarece.

NA PRÁTICA

Elis já sentiu na pele os prejuízos enumerados pela professora Dalila. Ela conta que apenas aos 18 anos, conseguiu desenvolver sua auto-estima. Até então, ela buscava caber em rótulos e estereótipos como forma de ser aceita. “Você faz chacota consigo mesmo, aceita apelidos “carinhosos”… Gordos, especialmente crianças e adolescentes, acabam querendo se encaixar no papel que os outros dão”, afirma.

A jovem D.R., que gerencia uma loja de artigos fitness, também já foi alvo de julgamentos e estereótipos. O simples fato de ter feito uma viagem para fora do país, por exemplo, fez com que sua conduta fosse colocada em questionamento em diversas rodas de conversa. D.R. foi taxada, acusada de se utilizar de meios escusos para ganhar a vida e bancar os custos da viagem.

Sociólogo expõe relação entre escalada da intolerância e estereótipos (Foto: Arquivo Pessoal)

“Essa mania de apontar o dedo para pessoas que nem conhece, achar que sabe algo da vida da pessoa, sair espalhando… Muitas vezes, isso se torna viral, de um jeito que fica difícil saber lidar. Por que ninguém quer ser alvo de fofocas”, considera a jovem. Para o sociólogo Luige de Oliveira, rótulos como os que foram colocados sobre D.R. servem como falsa demarcação, gerados pela incapacidade de um olhar mais profundo por parte de quem rotula.

SOCIOLOGIA

“Os pré-conceitos podem ser enxergados como uma ideia que ainda não foi maturada, é o que vem antes do que pode se tornar. O grande problema é quando o pré-conceito não se desenvolve para se tornar conceito; quando ele para na aparência, não se problematiza, estuda, verifica, analisa. Ele é o próprio ponto de partida e não chega a nenhum lugar, se encerrando nos rótulos”, pontua Luige.

As minorias são, grande parte das vezes, os principais alvos dos pré-conceitos e dos consequentes rótulos. Dessa maneira, os estereótipos e rótulos acabam funcionando como uma espécie de síntese das opressões. Luige comenta: “os rótulos vem se materializando em manifestações físicas de ódio. Temos um crescimento estatístico de atos de violência contra as minorias, contra aqueles que pensam politicamente diferente, e um crescimento político dos que defendem uma cultura segregacionista”.

Para Elis, tirar a camisa tornou-se ato político (Foto: Arquivo Pessoal)

É por isso que enfrentar os estereótipos e rótulos, muitas vezes, se torna um ato de rebeldia. “Me surpreende a raiva que as pessoas sentem por eu não aceitar o rótulo de gordo infeliz e sedentário. Percebi que o fato de eu estar em um ambiente fitness, me divertindo, é uma afronta. A primeira vez em que tirei a camisa em uma corrida, foi pelo calor. Depois, me dei conta de que minha atitude tinha virado um ato político e significou liberdade para muita gente”, encoraja Elis.

Vale lembrar que, às vezes, o perfil de algumas pessoas bate com os rótulos que lhes são impostos. De fato, há pessoas gordas que são engraçadas ou gente que sustenta padrões de vida luxuosos à base de desonestidade. Mas isso não tem a ver com os estereótipos, e sim com o fato de que existem inúmeras pessoas com identidades completamente diferentes.

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