É consenso na cidade de Brumadinho que a Vale matou 500 pessoas naquele desabamento da barragem
O deputado federal, o advogado André Janones, não é homem de meias palavras. Eleito por Minas Gerais, Janones ganhou notoriedade pública na época da greve dos caminhoneiros. E de lá para cá ele não para de pressionar o governo, políticos e autoridades. Doa a quem doer, ele fala o que pensa. Agora, em meio à tragédia de Brumadinho-MG André Janones foi impetuoso e polêmico ao chamar os proprietários da mineradora Vale de assassinos. Aos gritos de assassinos para se referir aos proprietários da mineradora Vale, responsável direta pela barragem Mina Córrego do Feijão, as declarações filmadas originaram um dos vídeos mais vistos e comentados no Instagram.
“Estive em Brumadinho, e o sentimento entre os moradores de Brumadinho é consenso, é unânime, de que houve mais de 500 mortes em Brumadinho. Na minha visão, se tiver que evacuar uma cidade inteira e causar um prejuízo de bilhões para salvar uma vida, terá valido a pena porque vida não tem preço, e a gente tem que colocar o ser humano em primeiro lugar. Hoje as vítimas [sobreviventes] de Brumadinho estão hospedadas nestes hotéis luxuosos, mas têm alimentação restrita, acesso a áreas do hotel restrita. Há uma série de restrições que faz o dia a dia deles lá ser ruim”.
Entre uma revelação e outra, o deputado André Janones mostra quem é quem na política de Minas Gerais e no cenário nacional, e vai desbaratando um a um, políticos e empresários, nesse mar de lama. “Foi Germano Vieira (atual secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais), já no posto de secretário, quem assinou a norma, de dezembro de 2017, que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado”. E completa: “Áudios vazados comprovam que a Vale ditava as regras de mineração dentro do governo de Minas Gerais. Não existe perseguição ao governador (de Minas Gerais), mas sim busca por justiça. Não há que se falar em ‘exagero’ quando o objetivo é salvar vidas”.
O CINFORM entrevistou o deputado André Janones nesta última semana. Você confere agora, com exclusividade, outras declarações iguais a estas acima, bombásticas.
CINFORM: Deputado, em muitos dos seus pronunciamentos o senhor está dizendo claramente que os proprietários da Vale são assassinos? O senhor não tem medo de se posicionar desta forma?
Deputado André Janones: Não. Na verdade, eu acredito que medo todos têm. Mas o importante é que você não deixe o medo te travar. Você deve seguir em frente mesmo com o medo, e não deixar o medo de esmorecer. Agora eu acho que se eu fosse ter medo e deixar esse medo me paralisar eu tinha que ter pensando nisso antes de me candidatar a deputado federal. Acho que a profissão de um parlamentar exige principalmente coragem. As pessoas elegem seus representantes com esse objetivo, com o objetivo de serem ouvidas, de o povo ser ouvido. O parlamento não é lugar de covardes.
Existia alguma medida, algum projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que estipulasse uma maior fiscalização acerca da problemática das barragens? O senhor tem conhecimento disso?
AJ – Sim, tem um projeto que foi proposto pelo deputado João Victor Xavier no início de 2017, esse projeto, infelizmente, foi reprovado e foi arquivado por três votos a um, o projeto visava proibir comunidades nas áreas que existia o risco iminente de rompimento de barragens. Se este projeto já estivesse vigorando nós não teríamos nenhuma vítima em Brumadinho.
Recentemente o Senado engavetou uma legislação específica sobre barragens. O senhor tem conhecimento? Por que isso ocorreu?
AJ – Não tenho conhecimento dessa temática específica. Mas eu acredito que seja por causa das mineradoras. A Vale era financiadora de boa parte das campanhas dos deputados e senadores, e mesmo nesta última eleição, apesar de não ser mais permitida a doação empresarial, a gente sabe que os executivos da empresa financiaram várias campanhas aqui no Congresso.
O MAB, movimento popular de vítimas de barragens diz que existem 790 barragens em risco e somente em Minas Gerais são mais de 500, e que nem Mariana nem Brumadinho estavam na listagem dessas barragens em risco. O senhor pensa em cobrar das autoridades de Minas uma maior fiscalização disso?
AJ – Sim. Nós fizemos um levantamento que comprova que hoje cerca de 50 mil pessoas estão em área de risco, com uma probabilidade, teoricamente falando, de as áreas localizadas serem devastadas com proporção bem maior que a de Brumadinho, como você bem colocou. Nós também estamos lutando para que o assunto não morra. Porque daqui uns dias ninguém falará mais em Brumadinho, e essa tragédia entrará no ciclo de estatísticas, então a gente tem que também pensar nisso.
Como fiscalizar as 24 mil barragens brasileiras com apenas 35 fiscais específicos e que podem fazer este tipo de trabalho?
AJ – A gente tem que mudar esse quadro, tem que aumentar o efetivo. A gente sabe que o Estado se preocupa muito com as mineradoras. O problema é que as mineradoras não têm se preocupado muito com o Estado. Temos que aumentar esse efetivo ainda que diminua o lucro das mineradoras.
Dizem popularmente no linguajar da polícia que ‘bandido bom é bandido morto’. Eu particularmente acho que bandido bom é bandido ressocializado. Mas essas expressões valeriam para os donos da Vale?
AJ – Infelizmente a gente tem essa sentença de que bandido bom é bandido morto, é um discurso hipócrita. A gente sabe que o ideal é a ressocialização. Esse discurso morre, acaba, não ecoa, quando se está falando de grandes empresários. A minha fala no plenário quando eu os chamei de assassinos chocou, repercutiu. Eu não consigo ver o motivo da repercussão daquela fala porque é algo tão óbvio, porque quem mata é assassino. A gente percebe que eles [Vale] tentam colocar a responsabilidade na pessoa jurídica como se a pessoa jurídica não fosse guiada e direcionada por uma pessoa física. A pessoa jurídica é uma ficção, ela não existe. Tem pessoas físicas ali responsáveis por aquela tragédia. Eu acho que a gente tem que repensar essa afirmação. E essa tragédia da Vale serve também para a gente repensar essa sentença que diz que bandido é esse que é bom morto, uma vez que isso se aplica ao pobre da favela que mata uma pessoa, mas não se aplica um empresário que numa canetada matou 300.
Na Alemanha não existem, há anos, barragens de rejeitos. E o proprietário principal da Vale é alemão. Lá, as leis são seguidas, há fiscalização e há cobrança popular. Aí o cara está impedido – pela lei – de fazer estrago no país dele e vem fazer estrago no país dos outros né?
AJ – É o que eu disse no meu último pronunciamento, nós somos o país da impunidade. Lá na Alemanha não se permite. Mas no Brasil não tem dono, então eles [empresários como os da Vale] entendem como se diz no ditado popular, que aqui é a casa da mãe Joana.
Deputado, dizem que se a barragem localizada em Congonhas romper a matança e o prejuízo serão infinitamente maiores porque não há saídas de Congonhas. Como é esta situação? O senhor que é da região, que conhece Minas, vê como essa possibilidade?
AJ – Muito preocupante, inclusive estou indo para Congonhas agora nesta próxima semana. Eu vejo que a barragem de Congonhas é, sem dúvida, a mais preocupante. Eu não posso ponderar nem mesmo concordar com a máxima que diz que, “ah, mas a Vale gera tantos empregos, ah, mas isso, mas aquilo (…), mas se a Vale sair da cidade [de Congonhas] vai gerar um prejuízo de milhões e milhões. Eu não consigo entender qual cifra vai gerar a morte de uma pessoa. Então, na minha visão, se tiver que evacuar uma cidade inteira e causar um prejuízo de bilhões para salvar uma vida, terá valido a pena porque vida não tem preço, e a gente tem que colocar o ser humano em primeiro lugar. Depois, se joga a batata quente do desemprego, de como vai se fazer para aquecer a economia, para gerar mais emprego, que joguem esse problema para cima de nós parlamentares. Porque esse problema [do desemprego] nós parlamentares conseguimos correr atrás e reverter a situação. Agora, uma vida perdida a gente não tem como reverter.
Há quantas pessoas vivendo em situações de risco hoje nas barragens de Minas Gerais? O senhor já teve acesso a esta estimativa?
AJ – Não tenho o número preciso em Minas, mas a gente sabe que é um número superior a 30 mil pessoas.
A tragédia de Brumadinho matou mais de 300 pessoas?
AJ – A gente não pode afirmar isso. A gente não pode agir de maneira a afirmar isso. Mas o que eu tenho dito é que o sentimento entre os moradores de Brumadinho é consenso, é unânime, de que houve mais de 500 mortes em Brumadinho. O que eu tenho dito e defendido é que se aprofunde a investigação do número de pessoas mortas. Por isso eu pedi um envio à polícia civil e ao gabinete de crise para a gente ter acesso a isso. Talvez sejam mesmo 300 pessoas, mas a gente não pode acreditar somente na palavra da Vale. Eu estou fazendo uma sugestão ao Ministério Público para que o MP-MG abra uma frente nova para a contagem das vítimas, convocando todos os familiares que procurem o MP, que estejam em Brumadinho para noticiar o desaparecimento do familiar. Pode ser que sejam 300 pessoas, mas pode não ser. A gente precisa averiguar e não confiar somente na palavra da Vale porque ela já mostrou que não merece crédito.
O senhor foi a Mariana? Hoje o senhor tem ciência de que as vítimas de Mariana não receberam as indenizações e que estão sobrevivendo sob condições insalubres e precárias?
AJ – Fui, pretendo voltar, e essa é a nossa luta. Eu não estava no parlamento ainda à época de Mariana, mas assumi a responsabilidade de, não só intervir para que os moradores da região possam ser indenizados de alguma maneira, mas, principalmente, para que não deixemos essas tragédias se repetirem [Mariana/Brumadinho].
Dizem que o solo onde se localiza a Mina Córrego do Feijão, mais exatamente na comunidade do Córrego do Feijão, há uma imensa reserva de nióbio, um dos mais raros e caros minérios dos tempos atuais. Dizem ainda que, caso aquela localidade ficasse desabitada poderia se transformar em uma grande barragem, em um terreno propício para a exploração de todo o nióbio ali localizado. O senhor tem conhecimento disso? Já ouviu essa conversa?
AJ – Sim, não me aprofundei ainda no tema, mas esse é um dos motivos que reforçam os nossos pedidos para que essas regiões sejam esvaziadas e que as cidades sejam evacuadas. E se confirmada essa informação, só se comprova que há outras maneiras de se fazer a exploração sem colocar em risco a vida das pessoas. Pelo contrário, nesse caso, o colocar em risco a vida das pessoas está atrapalhando a exploração.
O senhor está cobrando de seus colegas deputados? Qual o posicionamento deles acerca da tragédia de Brumadinho? Estão omissos?
AJ – Em relação à bancada mineira eu estou muito satisfeito, então não está sendo necessário cobrar dos parlamentares da bancada mineira porque realmente eles estão empenhados, todos, independentemente de ideologia partidária, eu vou pegar aí extremos, do PSL ao PT, todos estão juntos lutando por uma causa. Isso é muito positivo, é muito bom a gente ver que as questões ideológicas e partidárias estão sendo colocadas em segundo plano e a vida humana está sendo colocada em primeiro plano. A única coisa que eu quero dizer é em relação a parlamentares de outros estados que nunca compareceram numa comissão, de nenhuma averiguação de barragens, que nunca foram até Brumadinho e hoje se colocam à frente, buscando CPI de Brumadinho, quando a CPI já está praticamente instalada, e fazem isso somente com o objetivo de aparecer em cima da tragédia. Esse tipo de comportamento a gente repudia. Mas ainda bem que não veio de nenhum colega da bancada mineira.
Quais são os seus próximos passos? Como o senhor acredita ser possível punir os proprietários da Vale por este assassinato coletivo?
AJ – A gente não tem a caneta do Judiciário, quem pode punir é o Judiciário. O meu papel enquanto parlamentar se dá em ser a voz do povo aqui dentro do Congresso, trazer o clamor popular para o Congresso, para as audiências públicas, para não deixar o assunto morrer. Cobrar e cobrar e cobrar para que se possa efetivamente punir os culpados. A nossa atuação pela punição dos responsáveis é de cobrança, de averiguação enquanto [se] coletam as provas. O que a gente pode agir de forma direta é impedir novas tragédias através do endurecimento da legislação e a gente está participando das comissões, fazendo visitas até os locais, para elaborar uma legislação mais rígida.
O senhor acredita que eles deveriam estar na cadeia?
AJ – Não tenho nenhuma dúvida que sim, é muito óbvio, é evidente, uma empresa foi responsável pela morte de 300 pessoas. E o responsável direto por essa empresa tem que ser punido de forma exemplar. E não é isso que está acontecendo. Porque a corda só arrebenta do lado mais fraco. Ah, mas [o proprietário da Vale] tem endereço fixo e não (…). Mesmo que fosse uma prisão temporária [do dono da Vale] para impedir a influência deles em provas, em coação de testemunhas, em pressão para que o Ministério Público saia do caso para eles estão fazendo em Brumadinho. Eu estive lá e presenciei isso. Então, nem que fosse só para não dificultar a investigação do caso eu acredito que os proprietários da Vale deveriam estar na cadeia sim.
A Vale, parece, escondeu as vítimas e sobreviventes em hotéis confortáveis em BH, e longe dos olhos curiosos e investigativos da imprensa. Eu mesma fiquei em um hotel onde estavam algumas vítimas. Dizem que este comportamento foi idêntico ao de Mariana, que a Vale fez a mesmíssima coisa, escondeu as pessoas. O senhor tem conhecimento disso?
AJ – Tenho conhecimento disso e fui lá este final de semana para tentar chegar a pessoas e checar as informações. Hotéis luxuosos, mas com uma série de restrições. Essa é exatamente uma das questões pelas quais moradores de Brumadinho me procuraram para denunciar, de que eles [as vítimas de Brumadinho hospedadas nestes hotéis luxuosos] têm alimentação restrita, acesso a áreas do hotel restrita. Há uma série de restrições que faz o dia a dia deles lá ser ruim. A situação toda, em si, já é muito difícil e a maneira como a Vale está mantenho essas pessoas lá tem aumentado ainda mais o drama dessas famílias.