Tribunal de Contas da União constata o óbvio: tragédia em Brumadinho foi ocasionada pelo altíssimo risco de corrupção e quadro deficiente de funcionários para fiscalizar

Após duas tragédias seguidas na área da mineração no Brasil, Mariana (2015) e Brumadinho (2019), o Tribunal de Contas da União (TCU) ‘finalmente constata’ que o Estado precisa ter mais eficiência geracional acerca da questão fiscalizatória. No último mês o Tribunal divulgou um parecer em que reitera ser crônica a deficiente atuação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM).

Essa foi a conclusão de levantamento realizado na agência para analisar os riscos relacionados com a fiscalização, a cobrança e a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). De acordo com a instituição, a fiscalização também avaliou a governança na gestão dos recursos minerais.

Lama formada por rejeitos de minério destrói propriedades de cerca de 140 famílias. E, onde existiam casas e até uma pousada renomada, hoje sobra apenas lama e desolação

DESASTRE EM BRUMADINHO

O caso de Brumadinho infelizmente não é emblemático. E está por trás disso o que o brasileiro conhece bem – corrupção. A mineração é, para o país, o setor que representa 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB), 30% da balança comercial, e fatura algo em torno de US$ 32 bilhões (faturamento em dólares em 2017).

Há limitações orçamentárias e financeiras, um quadro técnico deficitário, um corpo técnico com pouca e insuficiente capacitação, altíssima exposição à fraude e corrupção; e, todos estes fatores somados e em conjunto, eis a receita dos desastres, ou melhor dos crimes ambientais e dos assassinatos de inocentes como nas catástrofes seguidas (Mariana/Brumadinho).

Na avaliação dos processos de fiscalização da CFEM, o Tribunal encontrou, entre outros problemas, planejamento deficiente, ausência de padronização e de avaliação da fiscalização e comprovação insuficiente das informações autodeclaratórias prestadas pelos mineradores, por meio do Relatório Anual de Lavra.

O levantamento, elaborado com fundamento nos incisos I a III do art. 238 do RI/TCU, teve por finalidade analisar os riscos inerentes à fiscalização, cobrança e arrecadação da CFEM, com o objetivo de gerar agenda de fiscalizações a serem realizadas pelo TCU. Foram analisadas a estrutura do então DNPM, incluindo o quadro de pessoal, os recursos materiais disponíveis e os necessários para o pleno desempenho de sua missão institucional; e os processos relacionados à fiscalização, à arrecadação e à cobrança da CFEM.

Com relação aos processos de arrecadação da compensação, foram constatadas carência na área de tecnologia da informação; elevada sonegação com possibilidade de lavagem de dinheiro e distribuição inadequada do valor integral da arrecadação aos Estados e municípios, entre outros.

Já a respeito da cobrança da CFEM, o TCU encontrou prescrição e decadência dos processos de cobrança e lentidão operacional pela desatualização dos dados do Cadastro Mineiro, um banco de dados com informações sobre os processos de outorgas minerárias.

Para o relator do processo, ministro Aroldo Cedraz, “a atuação deficiente do DNPM é uma situação crônica, pois os riscos identificados são similares aos apontados nas auditorias que o Tribunal realiza desde 2010”. O ministro Cedraz comentou, também, que “as tragédias por que passou o nosso País recentemente, com o rompimento das barragens nos municípios de Mariana e de Brumadinho, devem forçar uma urgente mudança de rumo de nossa atuação, bem como dos órgãos governamentais supervisores”.

Ele ainda acrescentou que “urge que a segurança dessas instalações seja levada a sério, quer pelos licenciadores, quer pelas empresas mineradoras, quer pelos órgãos reguladores e fiscalizadores da atividade minerária, de modo a atuarem de forma responsável, tempestiva e preventiva, evitando mortes trágicas de centenas de cidadãos”.

Bombeiros entram no local acima da barragem, uma espécie de “teto da mina”. A distância que a lama atingiu, até chegar a cidade de Brumadinho, é quilométrica. Equivale a 300 campos de futebol

TCU AVISA DESDE 2016

Desde 2016, o Tribunal avisa: “As falhas e irregularidades verificadas nessa auditoria envolvem a atuação a nível institucional da autarquia e alertam para o risco latente e potencial de novos acidentes envolvendo barragens de rejeitos de mineração no país”. E dá exemplos. Como a exemplificação de que a estrutura orçamentária e financeira limita significativamente o desempenho como órgão fiscalizador do setor minerário brasileiro.

Isto porque na auditoria operacional sobre a fiscalização da segurança de barragens de rejeitos de mineração (acórdão 2.440/2016-TCU-Plen.), realizada em 3/9/2016, o TCU constatou que “desde 2010, houve declínio progressivo do total autorizado para as despesas relativas a fiscalização da segurança de barragens, em virtude da não concessão de limite de empenho, pela SOF/MP, às emendas parlamentares e de contingenciamentos realizados pelo MME”.

Outra constatação foi a de que a estrutura orçamentária e financeira limita significativamente o desempenho como órgão fiscalizador do setor minerário brasileiro, já que a cota-parte da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), legalmente destinada ao órgão regulador do setor, correspondente a 9,8% da arrecadação e não está sendo repassada integralmente.

Acerca deste mesmo acórdão de 2016, o documento do TCU ratifica que “verificou-se que a gestão orçamentária e financeira do DNPM possui limitações que prejudicam sua atuação finalística e comprometem seu desempenho enquanto órgão regulador e fiscalizador da atividade de mineração no Brasil. Tais limitações referem-se, sobretudo, ao orçamento decrescente das despesas discricionárias, ao descompasso temporal dos repasses financeiros, que impactam o desempenho das atividades de fiscalização, incluindo a da segurança de barragens de rejeitos de mineração”.

DÉFICIT DE PROFISSIONAIS

Para fiscalizar as barragens e/ou crimes ambientais no Brasil seria preciso muito mais profissionais do que os hoje existentes. E esse déficit de servidores compromete o alcance dos resultados esperados para a necessária regulação e fiscalização do setor. Segundo o TCU, o quadro de servidores equivalia a 62% do total que o órgão regulador deveria ter para a adequada realização de suas atividades finalísticas.

E somente 42% dos cargos de especialista em recursos minerais e 20% dos cargos de técnico em atividades de mineração encontravam-se ocupados. Já a Superintendência de Minas Gerais estava com o maior déficit de servidores, com 79 servidores, enquanto seriam necessários 384 para atender a demanda de trabalho daquela Unidade.

E entre os servidores efetivos, 41% da área administrativa e 23% da área finalística recebiam abono de permanência e estavam na iminência de se aposentar. Além do que o último concurso foi realizado em 2009. Desde 2015, foi solicitada autorização para realização de concurso público para provimento de cargos efetivos, mas apenas dez vagas foram liberadas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP).

Corrupção dentro do ramo de mineração também foi alvo das investigações do TCU. De acordo com a auditoria operacional, o Tribunal identificou que a ANM possui altíssima exposição à fraude e corrupção. Isto porque há uma ausência de critérios objetivos para ocupação de cargos e funções; não há gestão efetiva de riscos e o tratamento de conflitos de interesse e de casos de nepotismo é insuficiente, envolvendo colaboradores e gestores da organização; há uma inexistência de programa de integridade e código de ética insuficiente; é insuficiente a atuação da auditoria interna nas áreas mais expostas a riscos e também o modelo de transparência da organização é insuficiente e não há modelo de prestação de contas diretamente à sociedade.

Em meio a dor, o conforto de amigos e familiares próximos é a forma de enfrentar o caos. Porque a própria Vale não está auxiliando as vítimas como deveria

FISCALIZAÇÃO DE BARRAGENS

Conforme documentação do TCU, na fiscalização de 2016, verificou-se que a debilidade do controle exercido pelo DNPM ultrapassava atos singulares e pontuais e abarcava todo o processo de fiscalização, o que implica afirmar que a situação constatada em relação à Barragem do Fundão (tragédia de Mariana) apenas exemplifica uma conduta padrão daquela Autarquia, a qual atinge, em termos gerais, todo o universo de barragens de rejeitos no Brasil.

Assim, constatou-se que a fiscalização das barragens de rejeitos de mineração realizada à época pelo DNPM não tinha o condão de induzir suficientemente os necessários padrões de segurança exigidos dos empreendedores, dessa forma não atingia os objetivos da PNSB.

Dessa forma, o TCU expediu diversas recomendações e determinações com o intuito de proporcionar melhorias no processo de fiscalização relacionado com a fiscalização de barragens de rejeitos de mineração.

Em 2018, o TCU abriu processo de monitoramento para avaliar a implementação das recomendações e determinações atinentes ao acórdão 2440/2016-TCU- Plenário, no qual constataram-se diversas melhorias na fiscalização a cargo da autarquia por meio da implantação do Sistema Integrado de Gestão em Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM), pois esse sistema informatizado possibilitou a análise tempestiva das informações prestadas pelas mineradoras, além da emissão de alertas em caso de risco iminente de ruptura da barragem. (Vide Acórdão 1.374/2018-TCU-Plenário).

NOSSA RIQUEZA

O Brasil detém um dos maiores patrimônios minerais do mundo e está entre os grandes produtores e exportadores. Entre as principais reservas minerais brasileiras de alumínio, cobre, estanho, ferro, manganês, nióbio, níquel e ouro. De acordo com o Anuário Mineral Brasileiro 2017, a produção está concentrada nos estados de Minas Gerais e Pará (87%), tendo o ferro representado 64,3% do valor da produção das oito principais substâncias metálicas.

Em 2016, o ranking do valor da produção mineral comercializada (principais substâncias metálicas) foi liderado pelos estados de Minas Gerais (46,81% ou R$ 33.659.714.059,00), Pará (40,10% ou R$ 28.829.470.884,00), Goiás (6,46% ou R$ 4.641.236.785,00) e Mato Grosso (2,16% ou R$ 1.550.984.327,00).

Segundo o Relatório de Gestão de 2017, ano base 2016, foram outorgados 3.641 títulos, dos quais 3.522 para autorização de pesquisa (42,8% na região Nordeste), 32 para concessão de lavra (53,1% na região centro-oeste) e 87 para permissão de lavra garimpeira (70,1% na região Norte), com destaque para o ouro nos três tipos de outorga.

Havia cento e oitenta e sete minas em produção, das quais um terço com produção bruta de minério acima de 1.000.000 toneladas/ano. Nesse mesmo ano foram arrecadados um bilhão e quatrocentos mil reais à título de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), dos quais pouco mais de um bilhão é oriundo da exploração do ferro. O recolhimento da CFEM encontrava-se assim dividido por região geográfica: 54,98% no Sudeste, 37,16% no Norte, 7,11% no Centro-oeste, 0,7% no Nordeste e 0,05% no Sul (Anuário Mineral Brasileiro, pg. 10, 11 e 34).

No comércio exterior, foram exportados mais de 31 bilhões em bens primários e importados mais de 5 bilhões em bens manufaturados, gerando um superávit de 26 bilhões de reais. O ferro e o alumínio são os principais itens de exportação, tendo como destino a China, os Estados Unidos e o Japão. Os principais países de origem das substâncias importadas pelo Brasil são Chile, China e Peru. Uma pena todo esse patrimônio não estar a serviço somente da geração de riquezas para o país, e sim estar mal fiscalizado ocasionando tragédias que acabaram matando centenas de pessoas.

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