Descoberta fóssil da Universidade Federal de Minas Gerais ajuda ciência a entender extinção de espécies
Por Pedro Peduzzi – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) descobriram uma nova espécie fóssil de um peixe-boi extinto, que vivia há cerca de 40 mil ou 45 mil anos no Rio Madeira, localizado na Região Amazônica. Estudos como esse são relevantes para que a ciência entenda os fatores que resultaram, ao longo da história, na extinção de espécimes. “E, ao gerar esse tipo de conhecimento, entender os fatores que são decisivos para conservar o que hoje existe, em termos de vida, no planeta”, disse à Agência Brasil o pesquisador Mario Cozzuol — um dos três autores do estudo.
Para o paleontólogo, encontrar coisas novas é tarefa relativamente frequente. “Todos os três autores do estudo [Fernando Perini e Ednair Nascimento, além de Cozzuol] já passamos por essa sensação, que é a de descobrimento de algo interessante. É bem aquele clima do ‘eureca’ que vemos em filmes na televisão. É muito bom ter em mãos o resto de uma espécie que ninguém conheceu, viu ou descobriu. É a sensação de ter uma novidade, e querer contá-la ao mundo”, acrescentou.
A descoberta, no entanto, é apenas a primeira parte de trabalhos como o desenvolvido pelo Departamento de Zoologia da UFMG, que levou quase 20 anos para ser concluído.
O “eureca” gritado pelo professor ocorreu logo no primeiro ano das análises, em meio às comparações feitas com outros fósseis. “Foi ali que percebemos que tínhamos, em mãos, uma novidade que merecia ser descrita e publicada”, disse ele. A publicação do estudo só aconteceu este ano, no Journal of Vertebrate Paleontology, da Sociedade de Paleontologia de Vertebrados dos Estados Unidos.
Trichechus hesperamazonicus
O nome científico dado à espécie descoberta é Trichechus hesperamazonicus – ou peixe-boi do oeste da Amazônia, que vivia no Rio Madeira há cerca de 45 mil anos, em uma época que o regime da água era diferente do atual. As chuvas eram concentradas em poucos meses do ano. Hoje, na Amazônia, a chuva perdura ao longo do ano todo.
“Foi ainda nas épocas das glaciações, quando as geleiras avançaram. A grande quantidade de água retida nos gelos diminuiu a quantidade de água circulando em rios e oceanos, tornando-os menores. Os geólogos chamam esse período de pleniglacial médio, que ocorreu entre dois momentos de máxima glaciação. Pode-se dizer que era um período quente e úmido para a época”, explica o cientista.
Nesse contexto, a maior parte da água descongelada era concentrada em lagos, em vez de rios. “Esses lagos desapareceram, dando lugar a rios de águas mais caudalosas. Com isso, o animal não tinha mais o mesmo tipo de ambiente para viver. A situação mudou, e ele foi extinto por não ter se adaptado à mudança ambiental, ficando o atual peixe-boi amazônico como o único remanescente do grupo”, acrescenta Cozzuol. Segundo ele, até então existiam espécies fósseis da família Trichechidae. O que não existia eram as do gênero Trichechus.
A pesquisa
Os três fósseis analisados pelos pesquisadores foram obtidos por garimpeiro que remexiam o fundo do Rio Madeira, na busca por ouro. As peças foram doadas para a Universidade Federal de Rondônia e para o Museu Estadual de Rondônia.
Foi por volta do ano 2000 que os pesquisadores identificaram, além das semelhanças, diferenças na comparação com outros espécimes de peixe-boi (entre fósseis e remanescentes), o que, do ponto de vista científico, é ainda mais interessante.
“Pelas semelhanças vimos que o animal pertence aos grupo dos peixes-bois. E entre as diferenças, detalhes como posição e tamanho dos dentes; e os espaços entre os dentes e a parte superior da mandíbula”. “Foi ali que vimos, pela primeira vez, relevância em descrever e comparar o encontrado”, disse o pesquisador, empolgado com as novas pesquisas que deverão ser implementadas a partir de seu estudo.
“Todo bom trabalho de pesquisa termina mais com perguntas do que com respostas. Adicionamos uma espécie a mais no grupo. O desafio agora é entender melhor como a evolução de todo o grupo aconteceu. As perguntas serão pontas para que se faça mais pesquisas, para saber quantas espécies existem ou existiram; onde existiram; qual processo levou à diversificação; porque desapareceram algumas e apareceram outras espécies”, acrescentou.
Sobrevivência da diversidade
Cozzuol explica que o processo de evolução na Amazônia é muito mais complexo do que se imagina. “O que temos hoje, de grande diversidade, é apenas a parte remanescente de algo muito maior que existia antes. Essas informações são extremamente importantes para sabermos o que fazer para conservar o que temos”.
Ele acrescenta que mudanças climáticas bruscas, como ocorre atualmente com o aquecimento global, podem resultar na extinção de espécies incapazes de se adaptar ao novo cenário. “Ao estudar as espécies, tanto extintas como remanescentes, a ciência aponta o que deve ser feito para a manutenção da vida, já que animais e plantas estão integrados no mesmo sistema que estamos. Vivemos em um aquário gigante, onde não há recursos ilimitados”, argumentou.
“A extinção faz parte da natureza. Isso é parte do processo natural. O que vemos é que a possibilidade de extinção é ainda maior quando as mudanças ambientais são rápidas. Saber disso é importante porque é o que está acontecendo no caso do aquecimento global. Mudanças desse tipo já aconteceram no passado, só que numa velocidade muito menor. O problema é que, quanto mais rápida é a mudança, menor é o tempo para os organismos se adaptarem. Portanto, maior é o risco de adaptação. E isso é preocupante”, complementou.
Edição: Aline Leal