94 dias para findar 2020 e já estou sensibilizada com o roteiro de edição para a retrospectiva deste ano. Até porque ainda temos eleições à vista e com ela, a esperança por renovação de liderança que assuma as rédeas deste trem sem destino. É chegada a época de balanço. Quem conhece o varejo, sabe como funciona. Mas neste caso nem precisa fechar a bodega, pois a mesma já ficou fechada tempo suficiente para organizar a casa. 
Fomos obrigados a enxergar o essencial, a sairmos do modo piloto automático e alcançar uma visão mais ampla sobre como viver. A experiência de uma quarentena e de vivenciar tempos pandêmicos trouxeram mudanças de padrões comportamentais no consumo, no estilo de vida e nas relações. É que quando nos percebemos falíveis, emocionalmente confusos e meros mortais a partir do contágio de um vírus invisível, precisamos buscar alguma fonte de paz e uma válvula de escape.
É aí onde sabemos quem são as pessoas imprescindíveis no nosso caminho. É também o reforço de nosso propósito através do trabalho. Estamos todos a serviço de algo muito maior que o crachá e status social definem. O terapeuta e escritor Arly Cravo, faz um convite sobre se perguntar: “qual é a luz que se obtém através deste evento?”. Porque se despertarmos a ponto de entendermos que ninguém chega do acaso e que há uma lição embutida dentro de cada conexão mental, social e emocional, vamos crescendo. 
Eu posso afirmar que todos os meus valores foram confirmados neste ano  Voltei a estudar e agora curso MBA em Psicologia Positiva, a ciência do bem-estar, na PUC/RS. Exercitei muito o ouvir e acolher. Participei de reuniões onde quinze minutos eram para resolver pendências e os outros 45 min, para ser uma ouvinte sem julgamentos. Escrevi o triplo e de tudo um pouco: releases, planos de ação, briefing, surtos, volta ao trabalho e notas de esclarecimento para crises de imagens por conta de covid, bebe mais café e escreve para quem tá longe, diz que tá com saudade, chora, surta e escreve-se de novo.
Comemos bolo e tomamos bolo, põe a máscara, esquece a máscara, pira, medita, canta um mantra e vamos regar as plantas enquanto se rega também com um chopp que ninguém é de ferro. Podemos nos considerar sobreviventes de uma guerra? Creio que sim, pois essa ideia de luta, da corrida, de concorrer, está muito em nossa cultura. E ao mesmo tempo que me sinto cansada por lutar, por querer estar certa ou não, abri mão de muita coisa, menos de quem eu sou. Isso é inegociável.
Uma amiga me disse na última semana: “vou virar essa mesa”, e eu me voluntariei para virar junto com ela porque não há mais coerência em viver por viver. Estou lendo um livro de Augusto Cury sobre o ‘Maior Líder da História’, que por acaso é Jesus, onde a principal base é aprender a ser líder de si mesmo(a). Doze personas, cada qual com seus traços psicóticos, (ora cético, explosivo, ladrão, etc) e permitiram-se ser transformados por um ideal coletivo proposto pelo Cristo. E não havia salários, nem tampouco um dia igual ao outro. A vida não era comum há 2 mil anos, mas alquímica. Quantos de nós estamos abertos para reformas? Ou continuamos fechados para o mesmo balanço, com os mesmos padrões e histórias que se repetem e só mudam os personagens?
Um dos meus poetas preferidos, Pablo Neruda, traz em um dos seus textos a receita para a escravidão. “Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca… Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.” Vale a pena ler o texto todo ao pesquisar na internet.
2020 traz ainda uma ótica sobre o que aprisiona o ser humano muito além da própria casa, local onde melhor se deveria estar. Muitos de nós tiveram perdas: de saúde, de dinheiro, de pessoas queridas. Ou ganhos: de peso, de preocupação, de pressão. Alguns, como meu avô, estão em processo de recuperação. Fomos cuidados e cuidadores. E nesta perspectiva, já sabemos que se não somos a profissão ou empresa que hoje existe e amanhã pode não existir mais, se não somos nossos bens, como carro, casa, dinheiro no banco que não compra saúde, apenas os remédios para alguns dormir, se acalmar e aliviar a dor. Se não somos isso, o que somos, afinal?
Sei que a contagem de um calendário com uma esperada mudança de 2020 para 2021 pode trazer a energia de renovação. Mas o fato é que a mudança é completamente interna, independe da contagem dos dias. Ao olhar agora meu filho enquanto redijo esta carta reflexiva para vocês, percebo estas mudanças não apenas físicas de quem transita entre ser criança para adolescente, aos 11 anos. Dia desses eu o trazia em meu útero, o amamentava e a pouco esbarrei com ele com uma camiseta de rock das trevas mandando áudio com uma voz mais grossa para os amigos do tiktok.
Afirmo com toda convicção que apenas uma entrega amorosa é capaz de criar, fazer crescer e florescer qualquer coisa em que estejamos inseridos. A minha maior contribuição amorosa está neste homem que se desenvolve bem na minha frente. E quando o vejo dedilhando no violão, fazendo um misto quente para mim e para ele, discutindo sobre o filme que assistimos, sei que só onde há amor haverá propósito.
Vale para o trabalho, para todas as conexões e relações, para a vida. E se a gente não é capaz ainda de oferecer este nível de afeto, tudo bem, porque energia realmente não se explica, se sente e se doa para quem merece esta doação. Deixa que o ‘Maior Líder’ continue a trabalhar através de quem se coloca como instrumento Dele. “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos”. 

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