Ao nascermos, recebemos nosso primeiro modelo educacional, por meio da família. Ali nos são apresentados os princípios do que é certo ou errado e de como se conviver em sociedade. Somos moldados para o mundo, sem necessariamente precisarmos seguir tais regras ao crescermos, pois depende de cada um.
Recordo do primeiro dia de aula do meu filho. Enquanto todas as crianças choravam desesperadas para ficar na companhia segura e confiável dos pais, ele sorriu pra mim e deu tchau. Quem saiu chorando da escola fui eu.
Mas certa de que minha educação materna é para o deixar livre ao fazer escolhas, percebo como ele cresce de forma independente. No colégio católico onde ele passou a primeira infância, ensinam a orar. E uma das músicas mais tradicionais no momento de oração é ‘mãezinha do céu, eu não sei rezar’. Matheus só cantava, ‘mãezinha do céu, eu JÁ sei rezar’. Para ele, era o que fazia sentido, de forma que chamou a atenção das professoras, visto que ali estavam rezando, por que cantar ‘não sei rezar’?
Quando trago aqui estes fatos, sem classificá-los como bons ou ruins, compartilho a minha percepção sobre educação. Para mim, educar é o exercício de ajudar alguém a refletir, a pensar com os próprios neurônios, a pesquisar, fazer associações e enriquecer o repertório. Sempre fui uma das alunas que mais perguntam e, também, uma das que menos sabem.
Manter a mente aberta, e não fechada por uma verdade pré-estabelecida, torna o exercício da educação ser continuada. Porque, a princípio, a história nos revela que o ser humano vive em processo evolutivo. Então quanto mais me apego a dogmas, mais fechada estou, menos perceptiva fico, e assim, me considero estagnada, porque a educação é uma área que expande todas as outras.
Sem educação não atingimos o mínimo de necessidade básica humana, que é nos relacionar uns com os outros. E estamos mergulhados em um modelo muito engessado de educação, cujas escolas e centros estudantis, têm base no militarismo. Gosto de visualizar professores como facilitadores do conhecimento. Mas em muitos locais os professores ainda são os detentores e únicos interlocutores de alguma ciência, seja ela humana, exata ou da natureza.
Por ironia do destino, venho de uma hierarquia matemática. Meu avô era professor de contabilidade, tenho duas tias professoras de matemática e minha mãe, era bancária. Não era nada comum ver gente abrindo livros em casa. Mas desde que eu li ‘Capitães de Areia’, de Jorge Amado, descobri um jeito de viajar mesmo morando na pacata Propriá. E vejo como ter professores/facilitadores, além daqueles do ambiente doméstico, abriu um mundo de possibilidades em minha trajetória.
A saudosa Prof. Auxiliadora, com auxílio até no nome, me desafiava constantemente. Depois dela, Português, Literatura e Redação tornaram-se paixões. Jamais esquecerei as aulas sobre Camões, da querida escritora, Lilian Rocha. Era uma aula musicada, com poesia, linda! ‘Navegar é preciso, viver não é preciso’… Penso em como os professores têm o poder de nos tirar do lugar comum. É uma extensão do que considero família. Porque família é todo aquele grupo que nos faz crescer. Como gente, em valores, em sentimentos, muito além daquilo que você virá a se formar.
A formação educacional passa por transformações inéditas. Porque a academia sozinha já não atende a todos os anseios de uma comunidade sedenta por propósito e em busca de emoções positivas. Diploma não garante empregabilidade, tampouco, felicidade. A maioria das demissões ocorrem pela falta de habilidade relacional, por questões de comportamento. E com empregos em declínio, seremos cada dia mais autorresponsáveis por nossa manutenção no mercado de trabalho. É o reflexo de uma profunda conexão consigo próprio, do que se tem de melhor a oferecer e, como consequência, obter satisfação pessoal.
Do que adianta tanto conhecimento acumulado, aplicado em fabricar bombas? Estão aí documentados movimentos como o nazismo para comprovar. Do que adianta uma jornada incessante de estudos, com graduação, especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado, se o ofício for doutrinar e enjaular? Enquanto o movimento de educar não estiver voltado para libertar, ainda estaremos passando na esteira de fabricação de robôs. O contraponto, a discussão e o antagônico, nos liberta, pois amplia horizontes. É preciso muita humildade para compreender. E cá entre nós, humildade não é um ponto forte no meio acadêmico.
Carl G. Jung diz para conhecer todas as teorias, dominar todas as técnicas, “mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”. Na Grécia, um dos berços da civilização, as aulas eram praticadas ao ar livre. Haviam escolas unicamente de Filosofia. Os fundamentos eram, (e não deveriam ser até hoje?) existenciais. ‘Por que fazemos o que fazemos?’ é um excelente livro do Prof. Mário Sergio Cortella. “Quero trabalhar em algo que faça alguma diferença positiva no mundo”, é uma das frases que marquei na obra.
E se a educação nos molda, poderia também soltar. A família, o colégio, a religião, a sociedade, vão ditando o que nos traz prestígio, renda e poder. As escolas criam publicidade sobre os ingressos nos cursos mais concorridos de universidades para, inconscientemente, ditar quais profissões sugerem sucesso. E quando se vê, há milhares de indivíduos vivendo seus dias em busca do ego (ou elo) perdido, ainda na luta para atender aos padrões insanos de uma comunidade enlouquecida, doente e mercenária.
No último dia 15, Dia dos Professores, li diversos posts de mestres queridos, muito devotados em suas jornadas de transformações de mentes. Outros diziam que não tinham o que comemorar porque lecionar nunca os deu reconhecimento – nem financeiro e nem social. A alguns, respondi com profundo afeto. À minha tia Simone, que foi minha professora de matemática, agradeci: “minha tia, obrigada por me ajudar a resolver problemas que me exigiam exatidão, mas agradeço, principalmente, pelas fórmulas que podem ser utilizadas para resolver problemas da vida”.
Sem dúvidas, uma responsabilidade enorme está na incubência dos educadores. Em uma única aula, um caminho pode ser aberto, uma ideia, ser desperta, uma mente, acordada. Não temos como dimensionar o poder revolucionário de um professor. A série que tem como protagonista o catalão, Merli (também é o nome da série na Netflix), é uma das minhas recomendações sobre como refletir novas propostas de educação. E lembro agora do livro-denúncia da querida Malala Yousafzai, a menina que foi baleada pelo Talibã porque ia às escondidas para a escola, já que em seu país, apenas os meninos têm direito de estudar. “Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo”, foi a frase emblemática dela no discurso da ONU, em 2013.

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