D. Judith nasceu na segunda década do século XX, em um dos muitos interiores do nosso Estado, nos tempos em que as crianças cresciam entre a sopa de couve e as histórias de assombração. Quando completou sete anos, o seu pai, que era o delegado do lugar e, portanto, uma autoridade, converteu-se ao protestantismo e ela o seguiu sem qualquer dúvida sobre aquele que seria o seu rumo e o seu porto seguro.

Sua mãe, nascida no século anterior, era analfabeta e ela logo resolveu aprender a ler e escrever sobretudo para ler as Escrituras Sagradas e beber na fonte os ensinamentos que a guiariam, agora sem a intermediação de um padre católico, que, ainda por cima, tinha a mania de expressar-se em latim, como se alguém de um simples povoado pudesse entender os mistérios que se escondiam por trás de tamanha liturgia.

Ao completar doze anos, seu pai decidiu enviá-la para Aracaju, para viver durante um ano com D. Penélope, professora extremamente respeitada por um currículo invejável, construído inclusive com uma permanência nos Estados Unidos, país majoritariamente protestante e casada com o pastor da Igreja Presbiteriana.

Com ela estudou música e órgão, além de matérias curriculares, e conviveu com pessoas de grande vulto intelectual. Também estudou corte e costura na Escola Profissional Coelho e Campos, como convinha a uma moça bem preparada para a vida doméstica no início do século passado.

Não se casou por escolha pessoal, mas teve vários filhos, e os teria escolhido mil vezes se necessário fosse e a eles se dedicou com a tenacidade de um pioneiro. Seus princípios eram rígidos, seus valores sólidos todos eles calcados na ética protestante: primeiro a obrigação, depois a devoção e só depois a diversão.

Tendo sido criada com toda devoção, dedicação e cuidados os caminhos da vida e um casamento inadequado a levaram a uma situação de extrema pobreza, mas, apesar disso, exigia com um rigor profético que todos os seus filhos estudassem mais e sempre mais pois acreditava firmemente que o

conhecimento era o único caminho para a libertação das amarras que os prendiam àquelas circunstâncias. Nenhuma desculpa era forte o bastante para uma ausência às aulas (obrigação) ou à igreja tanto na escola dominical como nos cultos (devoção), sempre nessa ordem.

Quando as vicissitudes da vida a fizeram vergar e a sua fé foi provada até o limite procurou sem pejo a ajuda de um psiquiatra a cujo tratamento se submeteu durante dois longos anos, graças aos serviços do IAPC ao qual se filiara, numa época em que só os loucos recorriam a esse tipo de profissional.

Nunca escondeu de ninguém o seu tratamento e sentia até uma espécie de orgulho ao desafiar o preconceito espelhado nas expressões das pessoas às quais respondia com a maior serenidade. “Sim, estou indo a um psiquiatra, por quê?”

Não sentia medos ou pelo menos nunca demonstrava e era capaz de se reportar a qualquer pessoa, estando ela em palácio ou no meio fio da rua.

Mais tarde, quando os filhos justificaram todo o seu esforço e dedicação, era na sua casa que eles a buscavam. E, na sua casa não se levantava pra ninguém. D. Judith era “maîtresse d’elle-même”.

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