A rádio de Varsóvia era o palco de Wladyslaw Szpilman, cuja arte musical ressoava aos ouvidos antes da grave notícia da Segunda Guerra Mundial. No filme O Pianista, baseado em fatos reais, tais cenas estão documentadas e narram com a sensibilidade da sétima arte e a dureza de uma guerra, como se dá uma batalha. Mais de sete décadas se passaram e o número de mortes no mundo inteiro equivale ao de uma guerra. Em terras tupiniquins, neste momento em que escrevo, a covid-19 já ceifou mais de 300 mil vidas em um ano. Política, perseguições, miséria, exaustão mental e física são apenas alguns dos resultados sejam vividos em pandemias ao longo da história, ou em qualquer outra guerra. O trauma, inclusive, vai após a ‘paz declarada’, porque ninguém realmente sabe se algum dia, voltaremos ao que se convencionou chamar de ‘novo normal’.
Na película datada de 2002 o artista judeu-polaco se salvou. Primeiro ele fez amigos em ambientes hostis. Sua natureza pacífica sabia como se doar. E, por tocar a alma humana através da sua música, conseguia sensibilizar até o mais fiel soldado de Hitler. O tempo inteiro a arte do Pianista o salvava. Pois ele era calor onde havia frio. Era entrega onde só havia saqueamento. Era vida onde só havia morte. Esfomeado e sedento por esperança, era capaz de tocar Chopin em troca de um minuto de existência.
Em tempos de extremismo, a maior calamidade que podemos presenciar é o que o psiquiatra e escritor, Dr. Augusto Cury, nomeou como ‘era de mendigos emocionais’. As pessoas transferem facilmente seus sonhos, responsabilidades e necessidades para outrem. Quando, em verdade, ninguém tem obrigação de suprir carências, traumas e expectativas de ninguém.
Somos absolutamente livres e, apenas dentro desta condição, responderemos por cada minuto de felicidade ou infelicidade constituída. A liberdade, como bem trata Mandela, não pode ser retirada nem mesmo no cárcere. “Quando eu saí em direção ao portão que me levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse minha amargura e meu ódio para trás, eu ainda estaria na prisão”, discursou Nelson Mandela. Podem nos tirar tudo da vida, exceto nosso poder de escolha em como agir e pensar, mesmo diante de situações realmente amargas e de privações diversas.
Em uma guerra só subsiste o essencial. E no pragmático minimalismo, no fim, só ficará aquilo que você é. O que você é, em essência, é o que vai lhe salvar. Você sabe o que você é? Definitivamente não é o seu cargo, suas roupas, sua profissão, bens e nem mesmo seu corpo você é, porque este um dia será cobrado e retorna ao pó. Assisti O Pianista muitas e muitas vezes. É de uma mensagem profunda e transcendente. No livro ‘Liberdade – a coragem de ser você mesmo’, o indiano (e refugiado nos EUA) Osho traz muitas respostas e levanta ainda mais questões da sociedade. “A liberdade de um indivíduo passa a ser um problema para muitas pessoas. Você é livre para ser você mesmo, mas não pode ser uma interferência na vida das outras pessoas”. E para não dar a ideia de que a gente pode sair por aí transgredindo leis, há um importante alerta de Osho: “quanto mais responsável você fica, mais livre você é”. Ou, quanto mais livre você é, mais responsabilidade você assume. É uma enorme disciplina ser livre e a busca se dará pelo que se considera ser sua base de forças e superação: sua essência.
Em uma era de vassalagem emocional, onde os pedintes estão muito além das ruas, faz-se necessário proteger a nossa energia e quem a gente é. Valores são inegociáveis. Uma vez que se cede, vira freguês. Sabe por que? Porque fere a liberdade de ser quem você é e torna indigna a sua essência. E mendigos ou vampiros emocionais jamais se saciam porque não se conhecem e transferem a responsabilidade de suas próprias vidas, bem-estar e felicidade, para identidades alheias. E o laboratório mais próximo disso é a família. Não adianta pôr máscara e usar escudo neste tipo de batalha. É assumir-se ser quem é. A quem você quer agradar ou tentar se encaixar? É insustentável a longo prazo.
O isolamento social revelou aumento de outras pandemias dentro das casas. A violência doméstica, por exemplo, duplicou. E voltando à liberdade e essência de Mandela, de Osho e de Szpilman, em momentos de vidas diferentes e altamente castradores para estas personas, ser quem eles eram foi a única forma de sobrevivência diante de infinitas provações. Dentro desta perspectiva, e não expectativa, não nos permitimos mais nos encolerizar por demandas alheias. Assuma as suas lutas. E os outros, no jargão popular, “que lutem’. Encerro com a colocação de Joan Chittister, em o ‘Livro da Felicidade’. “A vida não exige que renunciemos à nossa própria para que outros sejam felizes…A vida não implica nos convertermos em vítimas e tampouco em bodes expiatórios. Felicidade não é narcisismo, é uma responsabilidade moral”. Proteja sua essência e energia. Permita-se também crescer diante das guerras em que é convocado(a). Não há nada mais bonito e feliz do que compartilhar a vida com pessoas autênticas e com respeito profundo pela liberdade de quem os rodeia.