No século XVIII, o jurista taliano, Cesare Beccaria (1738-1794), autor da obra Dos delitos e das penas – texto que funda o direito penal moderno -, mostrou de forma contundente, sob forte influência do iluminismo filosófico, a necessidade de se romper com o punitivismo de práticas despóticas medievais, a fim de garantir, entre outras coisas, a igualdade perante a lei, a erradicação da tortura como meio de obtenção de provas e a instauração de julgamentos públicos. Estas e outras propostas modernizaram o direito penal, tornando-o mais humano, indicando a punição rigorosa, desde que a lei fosse transparente, constante e pública, de modo que todos os cidadãos estivessem a ela submetidos, evitando, assim, privilégios de qualquer ordem. Conforme a teoria de Beccaria, quando um criminoso rompe com o pacto social, ele deve pagar por suas ações, mas é necessário que a punição esteja fundamentada em provas robustas, assegurando a ampla defesa em um julgamento justo. Daí que, no exercício da magistratura, um juiz deve ser neutro, ou seja, deve ficar equidistante entre a acusação e a defesa, evitando sujar as mãos.

Ainda hoje as palavras de Beccaria são iluminadoras. Segundo Beccaria, quando um juiz não se guia pela razão, mas pelo desejo de punir, ele “torna-se inimigo do réu, desse homem acorrentado, à mercê dos tormentos, da desolação, e do mais terrível porvir; não busca a verdade do fato, mas busca no prisioneiro o delito, e o insidia; considera-se perdedor se não consegue, e crê estar falhando naquela infalibilidade que o homem se arroga em todas as coisas” (Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.77). Ora, um juiz não é um deus e pode se contaminar por suas paixões. Daí que, no estado moderno de direito, a lei deve estar em consonância com a dignidade da pessoa humana, de modo que a condenação e, eventualmente, a prisão, somente seja feita quando todos os recursos estiverem esgotados. Ao menos era assim no sistema jurídico brasileiro, até a instauração da famosa Força Tarefa denominada “Lava a Jato’, cujos julgamentos se deram no âmbito da 13ª Vara Federal de Curitiba, especializada em crimes financeiros, sob a titularidade do polêmico e midiático ex-juiz Sergio Moro, a partir do ano de 2013. Desde o início de sua meteórica carreira, Moro vinha trabalhando em estreita parceria com o ministério público, participando, inclusive, na produção de “provas” durante a fase de investigação, sobretudo por meio das famosas “delações premiadas”. A parceria era considerada por muitos como obscura, na medida em que Moro assumia, mesmo que indiretamente, as funções de investigador e julgador.

É sabido que o ex-juiz, bem antes da Lava Jato, tinha emitido juízos polêmicos, como o famoso “caso Banestado”, cuja sentença seria anulada pelo STF em 2020. Outro caso notório que também marcaria a carreira de Moro, teve início em 2003, e envolveu, dentre outros, o doleiro Rubens Catennati, cuja prisão preventiva era sempre decretada por Moro, o que, estranhamente, ocorreu por quatro vezes, com base em fundamentos pífios, recusados por tribunais superiores. Moro era incansável: toda vez que a defesa entrava com pedido de habeas corpus para garantir a liberdade do réu até o trânsito em julgado, quando procedimentalmente não cabe mais recurso, ocorria algo bizarro: o próprio Moro direcionava para si tais processos, visando prender o réu a todo custo. Por essa e outras razões, a defesa de Catennati, entrou com pedido de suspeição de Moro e, em 2013, o STF enfrentou o problema. Na ocasião, após examinar os autos, o decano Celso de Mello proferiu voto no qual demonstrou que a equidistância entre as partes, acusação e defesa, não foi obedecida, ou seja, houve parcialidade, comprometendo, segundo ele, “o direito de todo acusado a um julgamento justo”. Apesar do alerta, Mello foi voto vencido. O STF ainda não tinha atinado para o monstro jurídico que estava sendo criado com a figura do “juiz-investigador” de Curitiba. Estávamos voltando aos tempos do inquisidor Torquemada, como ficou claro no caso envolvendo o ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva. Houve inúmeras prisões, conduções coercitivas não autorizadas, gravações ilegais e o conluio com a mídia que as divulgava. Por todos os meios, o ministério público buscava obter delações que incriminasse Lula. A justiça brasileira parecia estar entrando em vertigem, assim como a nossa surrada democracia. O olhar do juiz, sob o pretexto de combater a corrupção de forma espetaculosa, voltava-se, de modo seletivo, apenas para uma parte do processo, e a clássica imagem de uma deusa de olhos vendados, segurando uma balança e uma espada nas mãos, foi sendo substituída pela figura medonha de uma rameira sem escrúpulos que desfilava dia e noite nos telejornais com seus capangas e cafetões, fazendo o mundo corar de vergonha, enquanto outros aplaudiam seu novo ídolo.

Não é ocaso aqui de examinar o mérito das acusações contra Lula, embora a defesa alegue que os processos envolvendo seu nome trazia um vício de origem, além de provas frágeis, obtidas por meio de estranhas delações, que foram usadas para condená-lo, enquanto outras provas, mais robustas, que o inocentariam, foram solenemente ignoradas, reforçando a seletividade de Moro e o pedido de suspeição, fato reconhecido agora pelo STF. Constatou-se que, além de orientar a acusação, Moro serviu-se de métodos incompatíveis com o estado democrático de direito, chegando a grampear sem autorização judicial os advogados de Lula, dentre outras medidas claramente ilegais, o que foi ressaltado nos votos históricos dos eminentes juízes Gilmar Mendes,

Ricardo Lewandowski e, sobretudo, da magistrada Carmem Lúcia que, diante das arbitrariedades cometidas por Moro, soube rever seu voto, fazendo, enfim, justiça.

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