Apóstolo Paulo:

Relutei um pouco em usar esse tipo de tratamento porque são vários os que tomaram para si esse título sem, no entanto, exercê-lo com a dignidade e responsabilidade que lhe é pertinente. Mas, se até o nome de Deus é usado em vão imagine o seu, primeiro exegeta da doutrina cristã, que procurou esclarecer às diversas igrejas como deveriam se comportar aqueles que se diziam seguidores do Cristo e conscientizar as pessoas sobre a importância da convivência entre os diferentes. Lembro-me que você foi preso em Filipos, antiga colônia romana, por libertar uma garota supostamente possuída pelo demônio e que todos queriam sacrificar em nome da fé. Àquela época, as inquisições tinham caráter imediato e a turba se encarregava de fazê-las. Muitos séculos depois elas buscariam o manto protetor da igreja para se legitimar. Naquele momento, ali em Filipos, você colocou em prática o amor que pregou na carta aos cristãos da cidade de Corinto, na qual você ensina que o amor nunca se ensoberbece. Mas é a soberba que domina o mundo, não o amor.

Revendo as diversas cartas que você escreveu aos diferentes povos da Ásia e parte da Europa continuo com o firme desejo de que você o fizesse agora, dirigidas aos diferentes povos cristãos envolvidos nos atuais descaminhos da humanidade. Insisto sobre cristãos, sejam eles ortodoxos ou heterodoxos porque eles me parecem os mais envolvidos. E você falou muito sobre convivência e tolerância. Penso que também poderia esclarecer sobre possessão demoníaca e outros demônios como fez naquela colônia da Europa. Mas…pensando melhor acho que não devo lhe pedir esse sacrifício pois há fortes indícios de que você seria novamente preso. Ouvi dizer que alguém que pronuncie ou escreva a palavra guerra está sendo preso por aí a fora, e provavelmente, você não domina os princípios avassaladores da guerra midiática. Ah, os eufemismos!

Sabe Paulo, no início da década de trinta do século passado, dois dos maiores personagens da época, Albert Einstein e Sigmund Freud trocaram cartas (veja como elas são importantes!) nas quais eles buscavam respostas para a questão: por que a guerra? Einstein, pai da física moderna,

questionava Freud, um estudioso do psiquismo humano e conhecedor da vida instintiva do homem, se havia alguma forma de livrar a humanidade do flagelo da guerra. Conhecedor que era das teorias do amigo, antecipa-se às possíveis respostas informando que as guerras são feitas por questões políticas, psicológicas, sociais, culturais e econômicas e solicita que Freud proponha medidas práticas, educacionais inclusive, para evitar a guerra. Freud, habilmente, fugindo de soluções simplistas (alguém sempre propõe uma solução simples para um problema complexo que, invariavelmente, está equivocada) responde à questão a partir de duas das suas inúmeras teorias: a) a violência humana é inerente à condição biológica do homem e se manifesta em todos os conflitos de relação; b) o homem é mobilizado por duas pulsões ou dois instintos opostos entre si: a construção e a destruição ou vida e morte e o homem o exercita para garantir o poder.

Mantidas as discussões no campo das ideias os missivistas publicam as cartas em 1933, como um grande alerta para toda a Europa, sem saber que em janeiro daquele mesmo ano o ovo da serpente que eclodiria seis anos depois com uma grande força de destruição, já estava sendo nidificado. Parece que as perguntas continuam sem respostas ou já as temos todas. E eu que escrevi recentemente que a nossa geração viveu o mais longo período de paz desse lado de cá! Parece que falei cedo demais e usei um raciocínio simples para uma questão extremamente complexa. Será que existe alguma forma de você ajudar, já que nem mesmo o trono de Pedro está conseguindo?

Esmaecidamente,

Esperança