Sou sergipano da gema e vivi os melhores anos nessa terra. Sou de uma família bem-conceituada e bem de vida, que sempre me orgulhou a ela pertencer. Ajudou-me a conhecer, conviver e apreender com os melhores. Sou afilhado e sobrinho-neto de José Calazans Brandão da Silva, neto de José Alves o Dede Sobrinha, e Dona Marocas Japiassu, uma índia sergipana. Dois nomes importantes da sociedade estanciana. Ele, amigo de Jorge Amado, barbeiro, e um dos maiores contadores de causo da cidade. Ela, a melhor cozinha e maniçoba do município. Neto de José Domingues Fontes e América Fontes. Ele, um grande comerciante, era o maior boêmio da cidade de Aracaju. Tanto que no livro de Alvino Argollo sobre compositores sergipanos, ele foi citado, mesmo sem escrever uma nota. Só por estar presente na hora das composições. Sendo até inspiração para algumas. Ela, uma excelente pianista, falava inglês. Uma dama da corte dos Aracajus. Duas famílias tão distintas que me deram meu pai, Irineu Fontes, e minha linda e amada mãe, Susete Fontes, que me ensinaram as coisas mais importantes do mundo, a igualdade e o respeito ao outro.
E assim, cresci nesse Estado, entre Aracaju e Estância. Convivi com todas as pessoas, das mais ricas e poderosas às mais humildes e carinhosas. E todos me ensinaram muito. Uma dessas pessoas conheci nas quadras esportivas. Joguei handebol na infância e adolescência. Sendo um dos melhores jogadores da época. Essa moça jogava voleibol, primeiro por um colégio público que não lembro o nome, depois pelo Arquidiocesano. Além de uma ótima atleta, ela transpirava liberdade e um olhar de brilho muito forte, disposta a encarrar a vida de frente. Tão decidida que a gente só a chamava de Kaitão. Kátia Couto, uma moça de atitude e bonita, desejada muito mais pelas atitudes do que pela beleza.
Passaram-se os anos e muito pouco contato tive com a moça. Soube que ela residia na Atalaia Nova ou Barra dos Coqueiros e tinha muitos filhos.
Algum tempo depois, já no trabalho de gestão, estava como Secretário de Cultura de Laranjeiras. Marcelo Rangel (Secretário Adjunto da Cultura do estado) apresentou-me um rapaz que estava trabalhando com ele na preparação da Conferência Estadual de Cultura. O moço tinha uma cara conhecida. Era Alisson Coutto, ou Alemão. Descobri que era o filho mais velho da minha amiga Kátia, uma ótima surpresa, pois ele parecia muito com a mãe, na aparência e nas atitudes. Alemão, como todos o chamam, tocava trompete no Reação e no grupo Naurêa, além de trabalhar na Funcaju, advindo da política partidária e da luta de classe.
Pude viajar com ele a Brasília e participar de vários discursões sobre cultura, gestão pública e música. A cada momento me surpreendia, positivamente, pelas opiniões e formas de pensar. Ele tinha um sonho de criar uma banda para fazer música instrumental.
E não demorou muito. Ele criou a “Coutto Orquestra”, misturando a cultura DJ com as melodias e fanfarras, absorvendo os cantos, ritmos tradicionais e pops, como o tango, a cumbia, o balkan, as valsas, as marchas, o house e o jazz manouche. E traz para isso tudo o Maracatu de Brejão, a Taieira, a Marujada e o forró, um caldeirão de sons.
Com a primeira formação, Alisson Coutto (Trombone, Theremim, Coro e Programações); Fabio Espinhaço (Bateria e Samples); Rafael Ramos (Violões, Coro e Controladoras); Vinicius Bigjohn (Acordeon e Coro), destacou-se no cenário musical sergipano. Lançou, em 2013, o primeiro CD, “Eletro Fun Farra”, um disco independente que envolveu muita gente e foi fruto de um investimento coletivo. São nove faixas puxadas pela bela e fustigadora música “Ladeira”, “uma grande festa, cheia de cores, personagens fantásticos e sonoridades surpreendentes”, disse Ed Félix, um dos melhores da música brasileira.
A Coutto ganhou o mundo. Apresentou-se em inúmeros festivais e espaços do cenário da música brasileira, como shows na Semana Internacional de Música (SP), Circuito Cultural Paulista 2014 (SP), Prata da Casa – Sesc Pompeia (SP), Festival Mimo (MG), Rec Beat (PE), Feira da Música (CE), Porto Musical (PE), Festival Quebramar (AP), BNB Instrumental (PB e PE), LAB Festival(AL), Festival de Inverno de Garanhuns (PE), Festival Contato (São Carlos, SP), Palco Giratório (SE), Verão Sergipe (SE) e participação em diversas coletâneas físicas e virtuais como Bass Culture e Beyound e Viva Brasil (BM&A), Serigy All Stars (Disco de Barro), México, Portugal, dentre inúmeras outras.
O imaginário, a inquietude de Alisson Coutto e sua persistência são as maiores virtudes desse criador. Características de um modernista e antropofágico como Oswald de Andrade. Experimentar é a solução. Ele pensou e realizou o projeto do segundo CD da Banda, “VOGA”.
“Em um mar que não se nada.
E se navega canto algum.
A voga vem desritmada.
Pois mar de tudo é mar nenhum”.
Alisson Coutto ousou. Capitaneada por Alisson, os meninos aventuram-se pelas terras ribeirinhas do Velho Chico. O projeto era descer o rio São Francisco, saindo de Poço Redondo, até Brejo Grande. Nesse trajeto passariam por 25 localidades, em 22 dias, entre 24 de março e 15 de abril. Uma ideia antiga que se realizaria com toda lúdica e planejamento. O projeto bateu na trave em 2014, no Prêmio Natura Musical. Mas foi viabilizado, em 2015, graças à persistência, uma característica do grupo em realizar, revendo, aprendendo e melhorando o projeto.
Voga conta com 12 faixas: Voga, Senhora Dona, Abarca, Adorno, Gnominado, Barco de Fogo, Desato, Ilha das Flores, Luar, Cruzcão, Rebento, Belmonte. “Num pedaço que vai, você vê minha alma, num pedaço que vai, você lê minha calma…”
Sons, misturas eletrônicas, com a pisada da Cultura Popular, as vozes de cantadeiras, com o toque do trompete, sanfonas, apitos e aboios. Uma mistura que fascina e mostra toda criatividade, talento dos meninos. Isso como também a grande ousadia de Alisson e seus companheiros de modernidade, mixando beats eletrônicos do Dubstep com o forró, xaxado, baião os sons ambientes captados durante a rota.
O Voga é mistura de sonhos, cores, luzes, cangaço, quilombola, indígenas, histórias, cantos e contos, marolas do rio. Voga que arranca a âncora do fundo do velho chico é moda, clareza, ritmo das remadas dos barcos que nos levam a viajar nesse incrível e musical trabalho.
Embarque no Bossa Nova e navegue no Voga, com respeito e inteligência. Música de Sergipe para o mundo.