Novamente, o Ensino Médio, o que ocorre, por que tanto debate? Revogar, revisar a reforma, implementar integralmente, ver o lado bom e extrair suas possibilidade, pôr em prática o necessário porque trata-se de uma lei, aproveitar a possibilidade de precarização na oferta para resolver o problema da falta de professores. São diversas as posições que este que vos fala já ouviu no debate em torno da implementação do denominado Novo Ensino Médio.

As redes e unidades escolares, públicas ou privadas, que não implementaram ou deixaram para implementar no último ano de garantia da lei, foram aquelas com maior senso de responsabilidade, desconfiança ou sorte. Tanto é assim que o Gov. Lula suspendeu a sua efetivação, alterando também a adequação do ENEM aos novos parâmetros. Algo que pode ser compreendido como uma pequena vitória. Mas os dilemas postos acima ainda permanecem, e importam tanto do ponto de vista político quanto da disputa pela orientação educacional.

Por que afirmo isso? Desde que a indecente reforma do Ensino Médio surgiu no radar da discussão pública que setores, entidades e a própria comunidade acadêmica, em sua grande maioria, se posicionaram contra a reforma que o presidente Temer impôs por medida provisória, M.P. 746 de 22/09/2016. A reforma de 2016 é fruto de um golpe político organizado por setores conservadores e neoliberais da sociedade brasileira e, por isso mesmo, carrega consigo todo um caráter revisionista e destruidor de conquistas populares e republicanas.

Isso não quer dizer que a crítica educacional não identificasse problemas no Ensino Médio, e na educação básica brasileira em geral, inclusive para fazer críticas reais ao sistema que existia. Faltava muito, e o que faltava, de fato, jamais será suprido pela reforma que vigora enquanto cambaleia. O grande problema sempre foi que o currículo do Ensino Médio permanecia com contornos vivos da educação autoritária imposta com a ditadura burgo-militar. Prova disso é que apenas em 2008 a Filosofia e a Sociologia retornaram ao currículo escolar. Nessa época, iniciou-se uma política educacional mais ampla com a inclusão de disciplinas como Espanhol, Música e Teatro nas escolas.

Entretanto, a política educacional, como o nome indica, depende de quem está no poder e daqueles que não estão, mas combatem na sociedade, onde efetivamente ocorrem os efeitos das legislações. E como a orientação educacional é fruto da atividade dos poderes ou da pressão da sociedade civil, aqueles setores que exercem em dado momento maior protagonismo social e político acabam por influir com maior vigor na orientação das legislações. De 1971, quando a Filosofia saiu do currículo, até 2008 não houve um dia em que a comunidade não tenha atuado e denunciado os rumos ditatoriais na educação escolar brasileira, mas os ventos só mudaram em 2008.

Porém, o contexto amplo de 2016 é repleto de ações contra o caráter republicano do Estado que ganhou vigor com os governos progressistas. É o caso da Reforma trabalhista, lei da terceirização, tentativa de reforma da previdência, privatizações, congelamento dos salários, autonomia do Banco Central. Não poderia faltar uma reforma educacional que fizesse jus ao protagonismo da escoria financeira e conservadora que atuava contra o governo. A reforma do Ensino Médio cumpre então uma função ideológica, de fragmentação do currículo, fragilização das disciplinas, precarização do ensino, desvalorização do processo de ensino e aprendizagem, sobrecarga de trabalho para os professores. Sobretudo, aprofunda as diferenças entre escolas caras e escolas populares porque a ampliação da oferta vira produto a ser negociado.

As disciplinas foram fragilizadas pela pressão exercida por grupos neoliberais e por conservadores para os quais o currículo não dialogava com a realidade. A ideia era retirar o consolidado para incluir coisas como educação financeira e empreendedorismo, e todo tipo de oficinas e cursos dispersos. Os conservadores aproveitaram a redução das ditas disciplinas subversivas para incluírem também seus cursos de projetos de vida e moralidades vazias, no lugar das discussões filosóficas e sociológicas “contaminadas” pela dita “ideologia de gênero”. Sobrou até para a Biologia que, evolucionista, desagradava o terraplanismo em alta. A reforma agradou também às secretarias de educação porque agora não precisarão contratar professores de Espanhol, nem de Física porque essas coisas não dão dinheiro e deixemos a ciência para os países do norte. Norte esse que fica até difícil discorrer porque a Geografia também foi eliminada, afinal, como dito, era a volta triunfal do geocentrismo.

Meus caros, essa gente jamais conseguiu aceitar a necessidade de uma educação para a cidadania ampla e irrestrita. E os maiores afetados por essa reforma são os alunos e alunas das redes públicas, onde cumprir a oferta sempre foi um problema. Mas agora será possível ofertar apenas Português, Matemática e Inglês, e mais dois itinerários genéricos repletos de ninharias educacionais supostamente interdisciplinares. É possível que um aluno finalize o Ensino Médio sem jamais saber o mínimo do mínimo sobre História!

Parece hilário, mas é lamentável! Sobretudo, ver defensores ardorosos de algo tão destruidor que, atabalhoados, argumentam ao redor de uma dita interdisciplinaridade de araque e repleta de nada. A reforma que já iniciou problemática não poderia dar em algo socialmente relevante. Imposta sem discussões, sem envolver a sociedade civil, as entidades educacionais, a comunidade escolar, as redes públicas e a Universidade. A ausência da Universidade na discussão da reforma criou o descompasso entre o licenciado e o modelo que estava sendo efetivado.

Por tudo isso, e muito mais, a melhor saída será sempre revogar o quanto antes e estabelecer um verdadeiro fórum de discussão amplo e representativo sobre política educacional que possa nortear uma legislação que promova a cidadania e o desenvolvimento do conhecimento entre nossos jovens. Por sua vez, o problema da revogação estará na situação de muitas redes, públicas e privadas, que já efetivaram a reforma em seus currículos. A política da revogação não pode demorar porque ficaria comprometida pela realidade. Outra possibilidade seria reformar a reforma por meio de portarias do MEC ou correções mínimas da lei, um Frankenstein de politica educacional, mas que pode atenuar alguns aspectos deletérios da atual legislação. E esse último caso seria apenas um adiamento da resolução do problema, por

isso é importante que as comunidades escolares e as entidades que atuam na representação das categorias e na organização da produção científica continuem em sua luta por um modelo educacional inclusivo e cidadão.

1 Professor de Filosofia do Colégio de Aplicação da UFS e integrante do Grupo de Ética e Filosofia Política da mesma instituição.

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