Por: Juliana Paixão
As estáticas da inclusão no mercado de trabalho daqueles que nascem com um gênero, masculino ou feminino, e não se identificam com o mesmo, é alarmante. Dados do último relatório de Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013, publicado em 2016, demonstram que a transfobia faz com que muitos transexuais acabem tendo como única opção de sobrevivência a prostituição de rua.
Organizações não governamentais como a Associação CasAmor (Casa de Apoio e acolhimento às pessoas LGBT´s) que terá o seu espaço inaugurado na IV Semana de Visibilidade Trans de Aracaju, e como a Associação das Travestis Unidas na Luta pela Cidadania (Unidas) auxiliam a comunidade trans a conseguir inserção no mercado de trabalho oferecendo cursos de especialização para garantir mais oportunidades.
O auxílio de organizações para profissionalizar a comunidade e o exemplo de transexuais e travestis que conseguiram “chegar lá” é um incentivo. A reportagem do CINFORM conversou com três transexuais que lutam pela melhoria das condições da comunidade.
Começando o mestrado
Linda Brasil, 45, foi a primeira transexual a se formar na Universidade Federal de Sergipe (UFS) podendo utilizar o seu nome social. Hoje formada em letras e prestes a começar o mestrado na área de Educação e Diversidade, é presidente da Associação CasAmor, que irá acolher as pessoas LGBT que são expulsas de casa e precisam de ajuda.
“A portaria que regulamentou o nome social na UFS foi derivada de um processo administrativo, porque no primeiro dia de aula eu sofri um constrangimento por causa de um professor. Porque eu fui no DAA antes de começar as aulas requerer o nome social, porque para nós isso é importante, e eles me informaram para comentar com os professores e um resistiu, alegando que não poderia me chamar de Linda já que meu nome era outro”, relata Linda.
“Existe um machismo quando as pessoas percebem que a gente nasceu no gênero dominante, o ‘bambam’, e você negar esse gênero para assumir uma identidade feminina e isso para alguns é degradante”, fala.
Linda destaca dados alarmantes sobre a comunidade Trans no país. Atualmente 90% das transexuais e travestis estão compulsoriamente na prostituição, além de possuir uma expectativa de vida de 35 anos por conta da vulnerabilidade social. “Eu fui a primeira trans a ser assistida com o uso do nome social, a primeira a se formar e esse respeito é importante”, conta.
“A gente chega lá”
Jessica Taylor dos Santos, 45, mulher Trans, é cabeleireira e presidente da Associação das Travestis Unidas na Luta pela Cidadania, que ajuda a comunidade Trans em Aracaju há 18 anos. A associação oferece cursos profissionalizantes como serviços gerais, cabelereira, manicure, além de apoio emocional à comunidade.
Jessica conta que muitas transexuais e travestis não têm oportunidades de estudar, o que as levam a não conseguir entrar no mercado de trabalho, levando muitas vezes à prostituição. “A gente percebe que muitas não têm qualificação, já que saíram de casa cedo e não tiveram oportunidade de estudar. Hoje você vê poucas pessoas da comunidade trans no mercado de trabalho e essas poucas é porque tiveram oportunidade de estudar, muitas se assumiram tarde. No meu caso, saí de casa aos 10 anos de idade e aos 11 já estava na prostituição”, conta a presidente da Associação das Travestis Unidas na Luta pela Cidadania, que se prostituiu por mais de 30 anos.
A esperança de uma sociedade na qual a inclusão da comunidade trans seja um fato ainda existe para Jessica. “Quando eu sei que tem uma no mercado de trabalho, fico feliz demais e para mim é uma conquista. Eu queria que estivéssemos todas, mas um dia a gente chega lá”, destaca.
“Como eu me sentia bem”
Luciana Barbosa, 32 anos, é vendedora em uma loja no centro comercial de Aracaju, pode trabalhar vestida do jeito que se sente bem, é reconhecida e aceita pelos colegas e seus patrões. Lu, como prefere ser chamada, já trabalha na mesma loja há dez anos e ingressou ao trabalho como um homem homossexual, em 2015. Depois que começou a morar sozinha, decidiu que era hora de assumir quem ela realmente era. “Comecei a me vestir como eu me sentia à vontade, com roupas femininas, andar 24 horas como eu me sentia bem”, comentou.
Durante todo o processo, Luciana teve a ajuda da chefe e dos funcionários da loja, o que, segundo ela, não acontece em outras locais. “Minha patroa sempre me incentivou, falando que era isso mesmo, que eu tinha demorado. Tanto meus colegas de trabalho quanto meus patrões me ajudaram. Eu conheço outras lojas que não permitem que o funcionário se vista do jeito que se sente bem”, comentou.
Luciana conta que o processo foi lento, apesar de já ser conhecida como cover de Joelma, precisou conscientizar as pessoas sobre a transformação que passou. “Como eu era cover de Joelma, já facilitava um pouco, porque o povo me conhecia como Joelma. Aos poucos eu comecei a tomar hormônio, que começou a mudar meu rosto e meu corpo, aí tive que usar sutiã porque já não tinha como não usar mais, e minha patroa sempre falava para eu colocar o sutiã. Na outra semana eu já ia maquiada, na outra com salto. No começo as pessoas me chamavam de Lúcio e eu corrigia, que era para ser chamada de Luciana ou Lu”, contou.