“Oi pessoal, eu me chamo Luna, tenho 5 anos, moro em Aracaju e nasci com uma doença genética rara chamada Epidermólise Bolhosa (EB) e por conta dela surgem algumas bolhas pelo meu corpo, seja por atrito, calor ou espontaneamente. Por isso, a minha pele é frágil, comparada às asas de uma borboleta. Mas não se preocupe, pois a EB não pega, tá? Ela é uma doença que eu herdei dos meus pais. Apesar da minha pele frágil, bolhas e machucados, eu sou uma criança normal e feliz, que adora brincar, conversar e fazer novas amizades”.

Esse texto escrito pelos pais de Luna (hoje com seis anos) foi distribuído em forma de um panfleto na escola onde a criança foi matriculada para apresentar aos pais que ali passaria a estudar uma aluna especial, com limitações, mas cheia de vontade de aprender e fazer novos amigos. Luna é uma entre as 15 pessoas já catalogadas no Estado de Sergipe com Epidermólise Bolhosa (EB), uma doença hereditária, rara e sem cura, causada por um defeito genético da fixação da camada da epiderme na derme.

Estima-se que em todo o mundo cerca de 500 mil pessoas tenham a doença. Ela afeta tanto homens como mulheres. As pessoas com EB têm uma pele extremamente frágil, o que resulta em bolhas ou fissuras constantes que podem causar feridas difíceis de cicatrizar. Essas bolhas e feridas são causadas por alterações das proteínas que ajudam a sustentar as camadas da pele e que suportam sua estrutura. Normalmente, a EB é herdada de um ou ambos os pais que têm EB ou são portadores de um gene de EB com mutação. Ela pode ocorrer espontaneamente também.

Luna necessita de cuidados adequados para tratar as feridas

Pedro Moura, administrador, e Vanessa de Santana, farmacêutica, só descobriram a doença rara da filha após o nascimento. O pai assistiu o parto e ainda na sala de cirurgia percebeu que ela tinha algumas lesões na pele. “O pediatra que fazia parte da equipe pegou Luna e imediatamente falou também para o obstetra que ela tinha nascido com as lesões. Ela foi para o berçário e ninguém sabia até aquele momento o que era. Imediatamente, liguei para um tio que é médico, que telefonou para um dermatologista. Então, logo chegaram vários profissionais na maternidade, somente aí descobriram que ela tinha Epidermólise Bolhosa”, conta Pedro.

Luna ficou 30 dias internada na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (Utin) de uma maternidade particular de Aracaju. Orientado pelo médico dermatologista, seus pais a levaram para casa. E aí surgiu a preocupação: como será o tratamento dela a partir de agora? Pedro e Vanessa procuraram uma enfermeira especialista em ferimentos, porém a profissional não tinha muita habilidade em cuidar de EB e de crianças e então o casal decidiu que eles mesmos iriam cuidar de Luna. A partir daquele momento, toda uma rede de apoio começava a surgir, incialmente com amigos próximos e familiares.

“Eu já conhecia a doença porque uma amiga – Lindamar Lima – de Salvador/BA, foi quem fundou a primeira associação aqui no Brasil. Ela foi quem deu aquele primeiro suporte para gente. Ela tem um filho com EB. Apesar do impacto, a gente contou com esse apoio, tanto da parte médica, como esse apoio da Lindamar, que imediatamente nos tranquilizou um pouco. Minha irmã deu aquele primeiro suporte, principalmente na parte dos curativos. Tinha dias que a gente passava três, quatro e até cinco horas dentro de um quarto para dar o banho e fazer o curativo em Luna”, comenta o pai.

Primeira escola

A vida de Luna, do nascimento até os dias atuais, sempre teve um cuidado todo especial. Tudo dentro do seu tempo. Somente esse ano a criança pode frequentar a escola, já que a pandemia da covid-19 obrigou que os estudantes ficassem em casa. Aconselhados por Lindamar Lima, Pedro e Vanessa procuraram um colégio junto com Luna, para ela conhecesse a estrutura e melhor se adequasse. “Também foi uma forma para que a direção da escola pudesse conhecer a criança e percebesse como seria o cuidado”, disse Pedro.

A pele é frágil, comparada às asas de uma borboleta.

“A gente conseguiu uma escolinha pequena, acolhedora, eles sabem quem é Luna, até porque no primeiro dia de aula a gente conversou com a direção e distribuímos um panfleto explicando o que ela tinha. Colocamos em todas as mochilas. Também disponibilizamos o Instagram dela (@lunasantanamoura) para quem quisesse entrar em contato com a gente. Conhecer a condição dela é importante, porque qualquer problema que ela tenha no colégio, às vezes uma coisinha boba, que para uma criança comum ia ser uma besteira, como um dedinho que machuca ao segurar o lápis, elas ligam e nos informam.  A escola acolheu a gente muito bem”, pontua.

 Sintomas e diagnóstico

A Epidermólise Bolhosa (EB) é uma doença genética rara e não é contagiosa. É possível que haja outros parentes com a mesma condição, mas na maioria das vezes ela aparece sem história de outros casos na família. Os sintomas da EB geralmente surgem pela primeira vez em bebês e crianças, mas às vezes podem surgir na adolescência. Podem variar de leves a graves e todas as áreas da pele podem ser afetadas tanto no interior como no exterior do corpo. Os sinais e os sintomas diferem conforme o tipo de EB, mas todos podem causar dor aguda e crônica.

Segundo o médico dermatologista do Ambulatório de Dermatologia do Hospital Universitário de Sergipe (HU), e presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD/Sergipe), Dr Pedro Dantas Oliveira, os sintomas da EB mais evidentes são as bolhas e feridas na pele e nas mucosas, eventualmente levando a cicatrizes e deformações na pele. “Como podem haver bolhas nas mucosas pode haver dificuldade na alimentação e nutrição, requerendo muitas vezes uso de suplementos alimentares. O diagnóstico principal é clínico, o aspecto das bolhas e a localização nas áreas de maior trauma ou fricção e o início na infância ajudam a levantar a suspeita”, disse.

Dr Pedro Dantas Oliveira, dermatologista

“Existem outras doenças bolhosas que podem afetar a pele como os pênfigos, que são doenças autoimunes, e até infecciosas como impetigo bolhoso. O diagnóstico de certeza da EB inclusive para identificar o subtipo é feito através de exame genético. Por se tratar de uma condição genética, a EB não tem cura, mas novas pesquisas com terapia gênica vem ampliando a perspectiva para melhores cuidados dos pacientes”, explicou Dr Pedro, ao lembrar que em hipótese alguma a EB pode ser transmitida por meio de contágio. “Essa informação é muito importante porque é uma doença que já gera muito preconceito por parte da população”, destaca o especialista.

Tratamento

As feridas recorrentes são o que mais impactam na qualidade de vida das crianças e das famílias. Algumas formas podem levar a cicatrizes com retrações levando a incapacidade motora e até mesmo dificuldade de caminhar, limitando a realização de atividades cotidianas. As feridas crônicas podem formar tecidos o que pode resultar em deformações das mãos e dos pés que limitam a destreza e a mobilidade. A longo prazo, a pele aberta aumenta risco de infecções e inclusive câncer de pele. Daí a necessidade dos cuidados adequados das feridas com curativos especiais para melhorar a qualidade de vida, minimizar sequelas e evitar complicações.

O tratamento diário das feridas pode ser doloroso e levar tempo. Existe ainda um antibiótico indicado para quem tem a doença, porém não são todos os casos, vai depender muito da quantidade de lesões que a criança tem. O tratamento ainda inclui telas de proteção, um esparadrapo específico (com baixa adesividade), gel para limpeza, agulhas, gases, medicamentos para coceira e alivio da dor. “Hoje existem alguns tipos e subtipos de EB, Luna é considerada intermediária. Tem a EBS (simples), a EBD (destrófica), que se divide em recessiva (bolhas e cicatrizes em todo o corpo) e dominante (feridas nas mãos, cotovelos, joelhos e pés), e a EBJ (juncional). Tem a síndrome de Kindler (a pele é facilmente queimada no sol, formam-se bolhas em qualquer camada da pele ou órgãos internos)”, explica Vanessa de Santana.

Luna ao lado dos seus pais e sua irmão Letícia Moura

Medicamentos

Todos os medicamentos e curativos necessários para o tratamento das pessoas com EB devem ser fornecidos pelas Secretarias de Saúde do Estado ou município, conforme Portaria Conjunta nº 24 de 23 de dezembro de 2021, do Ministério da Saúde. Aqui em Sergipe, a dispensação é de responsabilidade do Centro de Atenção à Saúde (CASE). Porém, para ter direito a esses materiais, os pacientes precisam demandar judicialmente, alguns através da Defensoria Pública. Segundo o advogado Marcel de Souza Carvalho, devido a alta demanda e a baixa oferta de defensores, os processos se arrastam por anos e as pessoas que necessitam das medicações e curativos diariamente, muitas vezes perdem a esperança.

Segundo Vanessa de Santana, existe uma dificuldade muito grande em obter todos os medicamentos de Luna no CASE. “Recentemente, nós fomos comunicados sobre a chegada dos curativos dela. Quando a gente chegou lá para retirar, não tinha a quantidade ideal. Nós trouxemos para casa, tiramos foto e mandamos para o advogado. Luna nunca recebeu a medicação correta. Ele nos orientou a fazer um ofício devolvendo já que estávamos recebendo errado. Então, a gente devolveu tudo para que eles começassem a enviar corretamente”, disse.

A Assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado da Saúde do Estado informou que, por se tratar de uma doença rara, a dispensação dos medicamentos é através da farmácia judicial. Informaram, também, que todo o acompanhamento dos pacientes deve ser feito pelo Sistema Único de Súde (SUS). “Eles fizeram uma consulta com a Luna através de um médico particular. O SUS tem muitas regras, inclusive para alterar esse medicamento é preciso que seja feito através de um profissional do SUS. Por isso, nós orientamos que eles fizessem essa correção, porque inclusive a medicação é muito cara. Estamos abertos para recebe-los e orientá-los para que eles possam receber a medicação em um breve espaço de tempo”, disse.

 A Associação Sergipana de Epidermólise Bolhosa

Foi a partir do caso da própria filha e conhecendo outras histórias aqui no Estado, que o casal Pedro e Vanessa decidiram criar a Associação Sergipana de Epidermólise Bolhosa (ASSEB). Após uma visita de Lindamar Lima aqui em Aracaju junto com seu filho que também tem EB, quando ela trouxe curativos, panfletos informativos, eles começaram a entender melhor a doença. “No início eu fiquei meio retraída, mesmo sendo farmacêutica. E agora, como é que vai ser? Mas hoje é tudo diferente. A gente só lembra que Luna tem EB na hora do curativo, porque terminou o curativo, mesmo ela chorando, mesmo incomodando, o ânimo vem, uma vontade de brincar, uma vontade de correr”, explica Vanessa, que é a presidente da Associação.

Após diversas reuniões e uma rede de apoio que envolveu médicos, o advogado Marcel de Souza Carvalho, que abraçou a causa, eles fizeram o estatuto e começaram a dar entrada na documentação. Em maio desse ano a ASSEB foi constituída. “Mesmo não tendo a associação, eu já participava de reuniões com as outras associações do Brasil, a gente já acompanhava. Então, a gente está aqui para apoiar, para ajudar e para nos sustentar, porque a gente sabe que às vezes ocorrem muitas dúvidas, bate o desespero, quando vem uma luz, uma alma caridosa, uma pessoa que dá uma palavra amiga ou então que dá um ombro, você já se apoia”, comenta.

Objetivos da ASSEB

A Associação já acompanha 15 pessoas com Epidermólise Bolhosa em Sergipe, porém ela reconhece que podem existir outros casos. Segundo Pedro Moura, muitos são oriundos de povoados do interior do Estado, vivendo em condições bastantes difíceis para manter o tratamento. A ASSEB busca dar um apoio a essas pessoas, mantê-las informadas sobre os seus direitos. Um dos objetivos da associação é fazer com que profissionais da área de saúde se mobilizem para abraçar a causa. Fazer com que a criança que nasça com EB já tenha um protocolo de cuidado.

“Vamos fazer um trabalho de divulgação nas maternidades e em hospitais, falar que a associação foi criada. Existe um decreto no Ministério da Saúde tratando sobre a ajuda que o Estado tem que dar para os portadores de EB, para que as próximas crianças que nascerem com a doença seus pais não precisem entrar na justiça para ter o seu direito garantido, que isso seja de imediato. A gente aproveita para informar o nosso telefone para contato (79) 9 9959-8506 e o nosso perfil no instagram: @asseb_se”, ressalta Vanessa.

Voluntários

A ASSEB também precisa de voluntários, um grupo de profissionais como gastroenterologistas, cardiologistas, dentistas e fisioterapeutas, que queira apoiar a causa. “Queremos criar também um hospital de referência para que o bebê que nasça com EB já tenha para onde ir. Existem os cuidados, porque além da dermatologia, a gente sabe que, como uma doença bolhosa, ela pode atrofiar a mão (a chamada luva de boxe), a pessoa pode ficar cadeirante, e essas bolhas tanto podem ser internamente como externamente. Elas podem surgir no esôfago, então ao mastigar o alimento, pode machucar, o surgimento do primeiro dentinho, que em uma criança é comum e normal, para uma criança com a EB é doloroso”, concluiu Vanessa de Santana.

 

 

 

 

 

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