Projeto das Catadoras de Mangaba organiza ações de capacitação, geração de renda e autonomia para mulheres sergipanas

Por Henrique Maynart

Rede é substantivo feminino, palavra de duas sílabas e 500 partes de inspiração. Entrelaçamento de fios, fibras e estórias no Tabuleiro Costeiro do estado de Sergipe, autonomia e alternativa de renda da Mata Atlântica à Restinga. A rede, feminina que só ela, é tecida no cerne da solidariedade que entrelaça cerca de 500 mulheres sergipanas, artesãs, marisqueiras, catadoras, pescadoras, donas de suas casas e seus próprios corpos, em 27 meses de gogó e mão na massa. A Rede Solidária de Mulheres chegou chegando.

Rua Vereador Deoclesiano Ramos, nº 218, bairro Suissa. Aracaju. Nove horas e oito minutos. O projeto foi apresentado à imprensa sergipana numa manhã ensolarada de quinta-feira, 26, na inauguração do site da Associação das Catadoras de Mangaba de Indiaroba (Ascamai), primeira associação deste tipo em Sergipe fundada em 2009 e realizadora do projeto. A garagem da sede é decorada com imagens e fotos das ações do movimento, correria e ansiedade para os últimos retoques e, logo de cara, deparamos com a primeira edição do “Vozes em Rede”, boletim informativo do projeto.

Mirsa Barreto, coordenadora do projeto (Foto: Pedro Alexandre)

“Precisamos de uma sede na capital para logística, para organizar algumas questões e facilitar algumas capacitações aqui mesmo”, explica Mirsa Barreto, coordenadora da Rede. O projeto é realizado pela Ascamai, conta com o patrocínio do Programa Petrobrás Socioambiental, em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e apoio do Movimento das Catadoras de Mangaba de Sergipe.

CAPACITAÇÃO E AUTONOMIA

Ainda na porta da sede Mirsa segue explicando junto com Patrícia Santos, presidente da Associação das Catadoras de mangaba da Barra dos Coqueiros, a ideia e a concepção da Rede. O projeto pretende organizar um intercambio de saberes coletivos e capacitações em educomunicação, processamento de alimentos, artesanato e agroecologia ao longo dos 27 meses de execução, além de conversas e reflexões de gênero.

“O levantamento da demanda de comunidades e territórios foi feito por meio de 10 a 15 rodas de conversa em dois meses e meio, entre os municípios de Japaratuba, Carmópolis, Indiaroba, Estância, Barra dos Coqueiros e Pirambu. Não queremos chegar impondo nada que não faça sentido para a vida das comunidades, a autonomia delas é fundamental”, explicam.

PARCERIAS

Cerca de 260 mulheres atendidas no projeto estão espalhadas por comunidades do município de Carmópolis, o que constitui um desafio a mais para as Catadoras de Mangaba, já que aquelas mulheres não são oriundas de comunidades extrativistas. Fernando Feitosa e Josicleia Oliveira, organizadores da Banda Mirim Nossa Senhora do Carmo, acabam de chegar ao lançamento e explicam um pouco da parceria entre a banda e a rede. “Nossa banda mirim atende cerca de 150 crianças, jovens e adultos no município, algumas capacitações acontecerão na nossa sede e a ideia é envolver as mães  dos alunos e integrantes”, afirmam.

Adirani Souza, Alícia Morais e Mirsa Barreto (Foto: Pedro Alexandre)

Além da associação da banda, o projeto também contará com a parceria do Centro estadual de Formação Marcelo Deda, SESC/SENAT, Ancine, Bibliotecas Públicas e o Comitê Comunitário da cidade. Até o momento não fora firmado nenhum convênio ou acordo oficial com a prefeitura da cidade.

EXTRATIVISMO E LUTA PELA TERRA

Ao acessar o andar de cima da sede, a reportagem se depara com convidados, integrantes das associações e movimentos das catadoras, além de um banquete formado com alimentos da mangaba organizado pelas catadoras. Bolinho de mangaba, alfajor de mangaba, suco de mangaba, bolo de mangaba, um pão de queijo pra tapear os desavisados entre uma ou outra ”gordice” matinal. Coisa boa de comer, a tradução do tupi não vacila com a fruta-símbolo do estado de Sergipe.

Mesa de banquete pra mais de metro (Foto: Pedro Alexandre)

Sem chão e raiz não há fruto, nem doce, nem renda, sem território não há mangaba.“A gente tem a luta registrada em papel, que é a luta da reserva extrativista , a Resex, que é uma luta de 13 anos que a gente travando. Foi uma luta inicial com os pescadores, que nós também somos pescadoras e marisqueiras. Este projeto da Rede vem unificar e fortalecer ainda mais esta luta”. Enquanto a reportagem segue se entupindo de doces e gêneros da fruta Alícia Moraes, presidente do Movimento estadual das Catadoras de Mangaba, discorre sobre o projeto da Reserva Extrativista para o litoral sul sergipano, a fim de garantir o território para a cata da mangaba. O projeto já foi liberado pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e segue em tramitação.

Alícia argumenta que o movimento já entende a necessidade de um novo projeto de Reserva Extrativista para contemplar o litoral norte de Sergipe. “A Resex seria demarcada no litoral sul de Sergipe de início, são as áreas do litoral. Mas a gente já tem projeto que atinge as catadoras do litoral norte também, que entra Pirambu, Japaratuba e Barra dos Coqueiros, que a gente já tem uma demanda muito grande porque as ameaças crescem a cada dia.”

DUZENTAS FAMÍLIAS DE MANGABA

Adiranir Souza é presidente da Ascamai, entidade realizadora da Rede, e comenta a importância do projeto para o trabalho em Indiaroba, no Sul sergipano, desde as primeiras atividades iniciadas em 2009. “Hoje em dia nós temos 200 famílias que vivem da mangaba em Indiaroba, umas catam, outras vendem, outras processam o alimento, todas elas beneficiadas com a mangaba e a Rede vem pra fortalecer o trabalho que a gente já vem fazendo. Além disso, a Rede vai possibilitar levar a nossa experiência para outras comunidades, esta troca é fundamental para todas nós”, ressalta.

As primeiras oficinas da Rede Solidária de Mulheres ocorrerão no mês de agosto, no “bota fora” do inverno meia boca que assola o litoral nordestino. A primavera de centenas de sergipanas está prestes a desabrochar em autonomia, geração de renda e flor de mangabeira.

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