Dossiê completo esmiúça informações acerca de quais servidores da SSP receberam valores absurdos de diárias, em viagens e em bonificações
O povo clama por segurança. Vive-se hoje no Brasil um temor, uma sensação de insegurança diária. Enquanto isso, a sociedade sequer imagina para onde vai o dinheiro pago pelo contribuinte e destinado, por exemplo, a órgãos aos quais compete proteger a população, como a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), em Sergipe.
Aproximadamente R$ 16 milhões foram gastos em diárias, viagens e bonificações para agentes policiais e delegados em apenas cinco anos, durante o intervalo de tempo entre os anos de 2013 a 2018. Os dados são oficiais e vieram diretamente do Portal da Transparência do Estado de Sergipe. Ali, em planilhas esmiuçadas, é possível verificar – com clareza – todos os nomes dos funcionários públicos da SSP com seus respectivos CPFs, e os valores recebidos anualmente por cada um destes servidores.
No dossiê completo encontram-se as informações detalhadas sobre as despesas com o pagamento de diárias na SSP, no período compreendido entre janeiro de 2013 e dezembro de 2018. Cabe ressaltar que o Portal elaborou essa documentação a pedido do delegado Paulo Márcio Ramos Cruz.
Percebe-se, a partir das informações, o pagamento de valores elevados a um seleto grupo de servidores ligados aos principais gestores da pasta, os quais se repetem mensalmente durante todo o período, levantando suspeitas quanto à veracidade dos deslocamentos e licitude dos pagamentos. Eis aí algumas dúvidas: as viagens existiram ou não passam de simulações para fraudar o erário?
Constatou-se, por exemplo, que 47 servidores receberam mais de 20 mil reais em um só exercício, sendo que três desse seleto grupo receberam mais de 30 mil reais em um único ano. Com 30 mil reais é possível custear aproximadamente 110 dias de viagens interestaduais a trabalho de um servidor policial civil, o equivalente à metade dos dias trabalhados em média durante o ano, descontados as férias, feriados e eventuais licenças.
Outra questão polêmica diz respeito à repetição dos mesmos nomes em todos os meses, sempre com valores aproximados, ao longo de todo o período. Tais nomes, diga-se de passagem, estão diretamente vinculados a importantes gestores da pasta, algo que também merece uma análise mais detida.
Ao cruzar dados oficiais, eis alguns detalhes importantes: o maior beneficiado de 2013, com mais de 30 mil reais, foi o delegado Cristiano Barreto Guimarães, atual Secretário de Estado da Justiça. Entre os principais beneficiados em todos os anos está Adriano Machado Bandeira, novo presidente do Sinpol e braço direito do delegado João Batista Santos Júnior.
A atual coordenadora do Deotap, Thaís Lemos, aparece entre os maiores beneficiados de 2015. Raimundo Nascimento Rodrigues, policial motorista do secretário João Eloy, está entre os maiores beneficiados em todo o período. Island Silva Primo, o ex-diretor laranja do DAF/SSP, recebeu R$ 1.730,00 em 2017 e R$ 5.685,00 em 2018, totalizando R$ 7.415,00. Valéria Cristina Feitoza Lima, irmã da delegada geral Katarina Feitoza, recebeu R$ 7.810,00 a título de diárias em 2018.
“Após muita insistência, tive acesso às informações detalhadas sobre os gastos com diárias no âmbito da SSP, entre os anos de 2013 e 2018. Ao que tudo indica, as mesmas inconsistências detectadas pelo Cinform no início de 2015 persistiram naquela secretaria, apesar das ‘recomendações’ da Controladoria-Geral do Estado, à época, para que tais ‘equívocos’ – como o suposto depósito para vários servidores na conta corrente de um só titular – não tornassem a se repetir”, explicita o delegado Paulo Márcio Ramos Cruz, ex-presidente da Adepol e atual segundo vice-presidente jurídico da Adepol Brasil.
REPRESENTAÇÕES NO MP E DEOTAP
Diante das suspeitas, Paulo Márcio protocolou duas representações na última terça-feira, dia 11, uma dirigida ao Ministério Público Estadual e outra ao Deotap, solicitando a instauração de procedimentos com vista à apuração de ato de improbidade administrativa e peculato em concurso com associação criminosa. Para o autor das representações, “as cifras impressionam e o fato de um grupo de servidores receberem valores expressivos por um longo período de tempo aponta para uma prática fora dos padrões”.
Diz o delegado: “Eu tenho absoluta convicção de que se o Ministério Público e a Polícia Civil realizarem o cruzamento de informações encontrão inúmeras inconsistências. Não se pode permitir que as denúncias atuais sejam interpretadas como mero equívoco, como aconteceu em 2015, segundo a Controladoria-Geral do Estado. Se há uma secretaria que tem que servir como modelo, é a SSP.”
ISENÇÃO, ONDE?
E acrescenta: “Protocolei representação no MPE e requerimento no Deotap solicitando a instauração de procedimentos para a apuração de supostas irregularidades e inconsistências no pagamento de diárias na SSP, entre os anos de 2013 e 2018. Espero contar com o apoio não só dos homens e mulheres de bem que integram a Polícia Civil de Sergipe como de toda a sociedade sergipana, que clama por transparência, eficiência e moralidade na Administração Pública”.
Uma das representações protocoladas pelo delegado Paulo Márcio é para que o Departamento de Crimes contra a Ordem Tributária e Administração Pública (Deotap) investigue as inconsistências desses valores encontrados no Portal da Transparência. Ocorre que a atual coordenadora do Deotap, a delegada Thaís Oliveira Lemos Santiago, também figura entre os principais beneficiados de 2015. Eis aí uma dúvida acerca do encaminhamento dessa representação: quem for presidir a investigação terá isenção para investigar?
CASOS DE FAMÍLIA
A agente de polícia civil Valéria Cristina Feitoza Lima não pode se queixar da sorte. Nomeada há pouco mais de um ano no cargo – ao qual teve acesso por meio de aprovação em disputado concurso público -, a policial não tardou em conseguir uma lotação no Centro de Operações Policiais Especializado – COPE, algo incomum para alguém com pouca ou nenhuma experiência.
Mas coisas incomuns acontecem com tanta frequência na Polícia Civil de Sergipe que logo passam a ser vistas como algo normal, aceitável, regular, comum. E a sorte de Valéria Cristina é mesmo coisa de outro mundo. De acordo com o Portal Transparência Sergipe, nos meses de setembro e novembro de 2018 a moça recebeu R$ 2.666,40 a título de Retae. Para receber essa quantia, um agente de polícia precisar trabalhar 80 horas em regime de plantão presencial.
Ocorre que Valéria Cristina Feitoza Lima pertence ao seleto grupo dos que recebiam a Retae sem jamais ter posto os pés numa plantonista, situação não amparada pela lei, conforme entendimento da Procuradoria Geral do Estado e da juíza titular da 3a Vara Cível da Comarca de Aracaju, Simone de Oliveira Fraga.
Nesse caso, o incomum está no fato de que a agente de polícia civil Valéria Cristina Feitoza Lima vem a ser irmã da chefe da instituição, a Delegada-Geral Katarina Feitoza de Lima. Porém, essa história não acaba por aqui.
Nos meses de agosto e novembro ocorreram duas Reuniões do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia, a primeira em Foz do Iguaçu-PR e a segunda em Goiânia-GO. A delegada-geral Katarina Feitoza esteve em ambas, acompanhada da irmã e agente de polícia civil Valéria Feitoza. Tratando-se de viagem “a trabalho”, é evidente que a despesa foi paga pela SSP.
Não se discute a importância da presença e participação da delegada-geral da Polícia Civil de Sergipe em eventos como este. Mas o dinheiro do contribuinte é sagrado, e não pode ser utilizado caprichosamente para custear mimos e cortesias entre familiares.
Esse caso, por mais escandaloso que seja, não constitui uma ação isolada, um ponto fora da curva na gestão de João Eloy e Katarina Feitoza. Ao reverso, ele é apenas uma das incontáveis suspeitas de irregularidade que vieram a público. Entre essas irregularidades também há as suspeições com o pagamento de plantões.
Na SS, se gasta uma fábula com diárias e escondem-se as informações do cidadão, nomeia-se filho de secretária do secretário para dirigir departamento de administração e finanças burlando-se a lei e paga-se indenização pelo exercício de plantão para quem não dá plantão. Enfim, um mundo à parte, com suas próprias regras e código de ética, a salvo da ação dos órgãos de controle interno e externo. Uma secretaria ensimesmada, parada no tempo, isolada da sociedade e alheia às mudanças que estão transformando a face do país.
RESPOSTA DA SSP
A reportagem do Cinform procurou a assessoria da SSP questionando acerca de quem responderia as indagações de tal dossiê, se a delegada geral, Katarina Feitosa, se o secretário João Eloi ou se a própria assessoria de comunicação da SSP. A assessoria informou já ter conhecimento do caso, dos dados, das planilhas, e encaminhou uma nota oficial. Segue a nota na íntegra:
Diárias são pagas para servidores efetivos ou cargos comissionados que estão a serviço da Segurança Pública em Sergipe. Várias missões operacionais, com investigações que duram dias consecutivos e até meses, compromissos administrativos com outras instituições em Brasília e demais unidades da Federação, cursos e capacitação, eventos oficiais são custeados com o pagamento de diárias.
Portanto, as diárias são usadas levando em conta atividades operacionais e administrativas de servidores da Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Coordenadoria Geral de Perícias. Caso haja a necessidade de quaisquer informações complementares para os órgãos do controle, a Secretaria da Segurança Pública estará inteiramente à disposição.