De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 5% da população brasileira sofre com transtorno alimentar, cerca de 10 milhões de pessoas. Em entrevista, a Psicóloga atuante em Aracaju, Especialista em Transtornos Alimentares e Obesidade, Mestre em Psiquiatria pela USP, Lorena Lins, tem observado com preocupação o aumento de casos em Sergipe e no país e alertou para um viés pouco abordado, mas que tem impulsionado esse aumento, a busca pelo corpo perfeito que acaba se tornando uma porta de entrada para os transtornos alimentares. Segundo ela, nenhuma prática alimentar e de estilo de vida pode ser considerada saudável se não leva em conta os gostos pessoais, as limitações físicas e psíquicas de cada um.

A psicóloga ressalta quais são os principais sinais que devem acender o alerta por procura de ajuda. “Quando se ultrapassa seus próprios limites, quando se pára de fazer o que se gosta por não ser considerado “saudável”. E aqui não estou falando de vícios, como alcoolismo ou drogadição. Na nossa sociedade muitas vezes esquecemos que saúde vai além estar com todos os parâmetros médicos e fisiológicos dentro do que se é considerado saudável. Há também a saúde mental e quando falamos em saúde mental, estamos falando também de nossos gostos, nossas preferências, nossas vontades. Além disso, mesmo no campo da saúde mental há uma tentativa de padronizar práticas que teoricamente nos trariam uma plenitude ou completude: ioga, meditação, corrida, contato com a natureza, etc. Sim, todas essas atividades trazem benefícios para a saúde mental em geral, há estudos comprovando isso. Mas há o individual. Não é porque a maioria das pessoas se sente bem praticando ioga que todos vão sentir-se bem. Ademais, é preciso analisar quais as condições de saúde mental prévias para que alguém vá se beneficiar de algo: não adianta alguém com uma depressão grave tentar praticar ioga. Não só ela não vai desfrutar a atividade como provavelmente vai se sentir ainda mais frustrada e triste, pois percebe-se incapaz de aproveitar algo que antes era prazeroso”, afirma.

Um dos sinais mais claros de que há algo errado nessas tentativas de “vida saudável” é quando se deixa de participar de atividades sociais ou de encontrar-se com pessoas que não seguem a “cartilha” da vida saudável. “A pessoa passa limitar seus contatos, lugares e rede social a locais, pessoas e atividades que tenham esse viés de “vida saudável”: não sai mais com os amigos de antes, não come mais comidas consideradas “não saudáveis”, chegando inclusive a levar alimentos para reuniões com amigos e familiares, por lá não ter algo adequado ao seu novo estilo de vida. Estou falando de pessoas que não tem nenhuma restrição médica que a impeçam de comer determinados tipos de alimentos”, explica.

É preciso ainda observar os sentimentos que surgem quando o indivíduo “burla” essa alimentação saudável. “A pessoa fica bem e retoma suas atividades normalmente? Ou vem muita culpa após essa “trapaça”. Pensar em como se está categorizando ou qualificando tais refeições também é interessante: sentir que está trapaceando, termos como “gordice”, “trapaça”, “comer porcaria”, “cabeça de gordo” são pejorativos e dizem muito da nossa relação com a comida. Por que no fim das contas é só comida. Interessante observar também as comparações com outros corpos, o estar olhando-se constantemente no espelho e evitar atividades sociais por não ter atingido o padrão que se esperava”, alerta.

O pensar sobre ter um corpo dito perfeito, dentro de um determinado padrão, pode ser muito frustrante, especialmente se as características do corpo não condizem com aquele padrão.
“Felizmente, somos diferentes, alguns de nós vão ser mais baixos, ou mais magros, ou mais fortes, ter pernas mais compridas, coxas mais grossas e assim por diante. Se as minhas características físicas não condizem com o que é associado a um padrão de corpo perfeito naquele momento, posso ficar extremamente angustiada, tentando atingir esse padrão de qualquer jeito e inclusive colocar minha saúde física e mental em risco. Posso inserir práticas alimentares e de exercícios físicos e de compensação que sejam condizentes a um transtorno alimentar ou de imagem ou pelo menos um comportamento alimentar desorganizado e/ou muito restrito e limitante. Com o advento de uma variedade maior de alimentos que não contém ingredientes que seriam prejudiciais – como glúten e lactose – cada vez mais pessoas aderem a dietas muito restritas. Penso que diferentemente de décadas atrás, nós profissionais da saúde vamos perceber um crescimento nos nossos consultórios de pacientes cada vez mais limitados a alimentos industrializados ditos “saudáveis” e preparo de receitas sem ingredientes “não saudáveis”. O foco, creio eu, será não somente na restrição, mas no consumo de alimentos que inicialmente eram prescritos para públicos muito restritos, como pessoas com doença celíaca, por exemplo”, detalha.

Diante da atual situação no mundo, cada vez mais surgirão pacientes com padrões ortoréxicos de alimentação – ou seja, busca por determinados tipos de alimentos, ditos saudáveis. “Atualmente ainda recebo pacientes com os tipos “clássicos” de transtornos alimentares – Anorexia e Bulimia nervosas e compulsão alimentar – mas já percebo nesses pacientes essa busca por alimentos “saudáveis”, com ingredientes “naturais”, “veganos”, substituindo os de origem animal. Além disso, o padrão ortoréxico vai se ampliando para outros aspectos da vida – a escolha de atividades, lugares, práticas, meio social que são preconizados como fazendo parte de um estilo de vida “saudável”, aborda a psicóloga.

Quando se fala em diagnóstico em psicologia, se fala em algo diferente do diagnóstico médico ou mesmo do psiquiátrico. “Também olhamos sinais e sintomas, mas estamos mais atentos ao sofrimento que tais fatores trazem para o paciente. Então sinais que poderiam ser considerados “dentro da normalidade”, ou que fecham um quadro leve de um transtorno alimentar, podem trazer grande sofrimento, angústia e enorme investimento psíquico para determinada pessoa. Nós psicólogos vamos atrás do detalhe, do que está encoberto por uma aparente normalidade ou dentro de um padrão social “adequado”. Aquele que faz restrições e limitações intensas na alimentação, provavelmente também faz em outras áreas da vida ou em outros contextos. E, além dos comportamentos alimentares ou prejuízos na autoimagem, vamos investigar também a repetição dos padrões limitantes em outros contextos, buscando relacioná-los com fatores ambientais, familiares, vivências, relacionamentos interpessoais, história de vida e qual a função das restrições para si”, esclarece.

Diferentemente do que muitas pessoas podem pensar, no tratamento psicológico para transtornos alimentares, pouco é abordado sobre a comida em si. “Cuidamos muito mais da relação que o paciente tem consigo, seu corpo e a função que a alimentação tem na sua vida. Qual o uso que o paciente faz do transtorno alimentar. Ou, abordamos o que leva aquele determinado paciente a querer ter um corpo perfeito. Claro que temos a influência da nossa sociedade de consumo, mas nem todos nós viramos escravos do desejo da perfeição. O que está relacionado, na história de vida daquele sujeito, em sua vida psíquica, em suas características pessoais de se aventurar no trabalho incessante e inalcançável de ter uma vida e um corpo perfeitos? São nesses detalhes, nessas entrelinhas que vamos atuar. Proporcionando ao paciente a oportunidade de escutar-se, de questionar-se, de olhar para si mesmo com parcimônia e acolhendo-se no próprio sofrimento”, finaliza.
Fonte: Rodrigo Alves, Jornalista, Assessor de Imprensa.

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