Sobreviver e crescer no novo mundo do direito
O alto grau de evolução tecnológica a que chegamos vem causando profundo impacto no exercício das profissões mais tradicionais e a advocacia, num país como o nosso, de oferta saturada, em que mais de 1.200 mil advogados estão à disposição de 210 milhões de habitantes, é uma das mais afetadas.
Aqui, porém, não vou falar de saturação mas de sobrevivência, desenvolvimento pessoal e progresso econômico de um grupo de profissionais em que o crescimento quantitativo exponencial ocorre dentro de um cenário que, por muito novo, elege a visão estratégica e a formação técnica complementar como elementos fundamentais para a imediata adaptação às novas exigências da potencial clientela atual.
A judicialização da vida brasileira, acentuada com a Constituição de 1988, descortina um vasto campo de trabalho e oportunidades para os antigos e os novos advogados. Mas é certo que a modernidade impõe novas habilidades para lidar com novas necessidades, uma consequência do aldeamento tecnológico em que o mundo se transformou.
Olhando pelo prisma evolutivo, já é fácil identificar uma profunda mudança de hábitos e práticas no desempenho da atividade profissional do advogado, a começar pela uniformização de procedimentos judiciais cujo desempenho pode ser satisfatoriamente alcançado via computador ou telefone celular.
Nesse quadrante, a inteligência artificial é ferramenta que facilita o desempenho, possibilitando alcançar metas e superar obstáculos processuais identificados na elevada quantidade de processos estocados em todos os órgãos judiciais do país e agregando segurança à processualística de precedentes que já se insinuava nas duas últimas décadas e que se concretizou com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015.
É nessa inteligência que reside a gênese da Jurimetria, já enfocada numa das primeiras colunas deste espaço, que se constitui na aplicação da estatística ao direito, para otimizar a gestão de processos em escritórios e tribunais e viabilizar o estudo sistemático e a previsão de soluções processuais, dentre outras inúmeras aplicações similares. Isso simplifica a prática procedimental da advocacia, mas não garante sustentabilidade aos advogados porque não está acessível à grande maioria.
É difícil identificar no país um grande escritório capaz de atuar sem um parque tecnológico sofisticado, fundamental para o desempenho da advocacia de massa, aquela que transforma o escritório numa verdadeira indústria processual, em que a larga repetição factual estabelece uma espécie de linha de montagem padrão para replicação de defesas também iguais e seriadas.
Esse cenário tende a evoluir mais ainda, na medida em que pessoas e empresas passarem a mais necessitar atendimento consentâneo com a sofisticação dos novos modos de suprimento das demandas humanas. Por isso ele exige reflexão e atitude dos profissionais que pretenderem se manter nesse complexo e paradoxal universo.
Na composição dos grandes escritórios hoje é possível identificar diversos grupos de advogados com diferentes aptidões, habilidades e especializações capazes de orientar as distinções e ditar o progresso ou a estagnação dentro do próprio grupo.
Neles há um grande contingente que se qualifica como operários da advocacia, cuja habilidade principal está na agilidade motora que os torna capazes de executar o maior volume de tarefas jurídicas repetitivas em menor tempo. Destacam-se pela produtividade e são necessários para movimentar a linha de produção processual a que nos referimos linhas atrás. Serão sempre operários em exercício numa verdadeira indústria de processos, que tende à robotização.
Outra parte pode se identifica como pensadores do direito. São aqueles cujo grau de inteligência e formação lhes permite pensar e implementar novas saídas para solução de questões complexas, diferentes das repetitivas, indicando ampla possibilidade de sucesso, em ambiente judicial ou extrajudicial.
Há ainda os advogados com aptidão para integrar grupos de especialistas em áreas diversas e complementares, massivamente ligadas ao ambiente tecnológico mundial e assim apresentar soluções viáveis para demandas cuja nascente seja esse próprio ambiente de tecnologia.
Mas existe vida fora desses gigantes, porque fora deles permanecem necessários, e assim sempre serão buscados, os especialistas em ramos do direito individual, a exemplo dos bons criminalistas, dos bons tributaristas, dos bons especialistas em direito das famílias. Esses se destacam em atividades inerentes às necessidades da própria vida humana e por isso mesmo continuarão imprescindíveis em qualquer aldeia e em qualquer ambiente tecnológico.
Como se vê, a visível saturação, por si só, não constitui obstáculo intransponível para aqueles que se dispuserem a exercitar uma legítima estratégia posicional e a buscar ser referência em qualquer das inúmeras janelas profissionais que estão e permanecerão abertas à prática da boa advocacia.