Dentre as muitas coisas que estão ficando cada vez mais no passado, correndo o risco inclusive de nem serem identificadas ou reconhecidas certamente a ópera é uma delas. Mas vou recorrer a esse espetáculo grandioso para refletir um pouco sobre os acontecimentos que nos cercam. A ópera é em geral uma peça grandiosa que se desenvolve como um cinema cantado e tem a duração média de duas horas. Para que a plateia possa respirar um pouco, já que em geral são peças que requerem muita concentração, é dado um intervalo entre um ato e outro quando os expectadores ficam em suspense aguardando o tempo para enfim acompanhar o desenlace da história contada ou melhor, cantada.

Em 1924 o cineasta francês René Clair produziu um curta metragem de 22 minutos de duração chamado Entr’acte, considerado uma obra-prima cinemática de vanguarda. O filme foi realizado para ser exibido no intervalo da apresentação do Ballet Suédios, em Paris e se caracteriza pela negação da razão através de expressões do absurdo como alterações de velocidade ralentando ou acelerando os movimentos das personagens deslocando-os do sentido real da imagem. Cenas como dois jogadores de xadrez em cima de um telhado, barco de papel sobrevoando a cidade, bonecos infláveis perambulando pelas ruas, fósforos animados que se acumulam numa cabeça e ardem sobre ela, são exemplos de uma realidade distorcida pelo absurdo numa época em que não existia computação gráfica, essa coisa onisciente e onipotente através da qual tudo é possível.

O entr’acte é um intervalo de tempo que interrompe alguma coisa que está acontecendo e sem nenhuma relação com o que o antecede ou o que se sucede se impõe aos outros como um fato. Desde o dia 17 de março quando foi decretado um lockdown tenho o sentimento de que a vida está em suspensão. Pelo menos a minha vida. Até então ela vinha se desenrolando normalmente, as pessoas dormiam, acordavam se alimentavam e iam aos lugares, se abraçavam, sorriam, conviviam em grupos de amigos, faziam planos. De repente a cortina baixou e um silêncio com o qual não estávamos acostumados, percorreu a nossa espinha dorsal curvando-nos a um evento que não estávamos preparados pra assistir pois não constava do libreto que

até então repousava esquecido em nossas mãos. E nesse que eu espero seja apenas um intervalo apesar de já se fazer tão longo, temos assistido passando diante dos nossos olhos cenas desfocadas pela intervenção malfadada dos homens de forma deliberada ou displicente. O absurdo tem engolido a realidade negando-a muitas vezes, esgarçando-a quase sempre. O barquinho de papel dos nossos sonhos está voando desgovernado e sem direção pois sequer podemos pensar neles em meio a tanto desassossego, quiçá definir onde atracá-lo. E, como se divertir num jogo de xadrez em cima do telhado quando a dama das sombras passeia sorrateira entre as casas? Fósforos animados se queimam e queimam as nossas cabeças num balé macabro enquanto tentamos desesperadamente entender o que está acontecendo numa espera sufocante de que finalmente se encerre esse entr’acte e a nossa vida possa fluir tão normalmente quanto será possível ser normal depois que a peça enfim voltar a encenar a vida.

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