Autoritarismo, censura, repressão, tortura, restrição aos direitos políticos e perseguição policial aos opositores do regime, foram práticas comuns durante o governo militar. A ditadura que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, tão defendida por conservadores e militares como uma ação revolucionária, pode ser caracterizada como uma ditadura civil-militar. Isso em decorrência da efetiva participação de setores importantes do empresariado brasileiro, principalmente àqueles ligados aos grandes bancos e federações industriais do país. O enredo apresenta outros desencadeadores. Vamos elucidar os fatos.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe drásticas consequências para a humanidade. O número de vítimas foi sem precedentes. Politicamente, o fim do conflito marcou o declínio do poder da Europa Ocidental no mundo e abriu o caminho para a ascensão dos Estados Unidos (EUA) e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como as duas únicas grandes potências econômicas, políticas e militares, em torno das quais o resto do mundo se alinhou.

Iniciou-se uma acirrada disputa pela hegemonia mundial e assim, dois blocos de países foram formados. De um lado, liderado pela URSS, reuniam-se os países socialistas e do outro, sob o comando dos EUA, os capitalistas. As tensões resultantes dessa disputa ficaram conhecidas como Guerra Fria (1947-1991). Entre os recursos utilizados pelas superpotências durante a Guerra Fria, está o apoio a golpes de Estado durante as décadas de 1950, 1960 e 1970. O governo estadunidense, por exemplo, colaborou com diversos golpes na América Latina.

A situação agravou-se quando fora implantado o regime socialista em Cuba, em 1961. O fato fez o governo norte-americano mudar de postura em relação à América Latina. Os EUA, a partir de então, buscaram apoiar economicamente os países latino-americanos, com a prerrogativa da diminuição da pobreza (causa das aspirações socialistas) e da melhoria de sua imagem, a fim de impossibilitar a implantação do que poderia tornar-se uma “outra Cuba”. Percebe-se que o fortalecimento de governos militares na região também seria visto como admissível e desejável, tendo em vista o combate ao comunismo.

Amigo leitor, ao refletir sobre o debate político e social em torno da população brasileira da década de 1960, é urgente a necessidade de aprofundar e investigar os desdobramentos do golpe civil-militar deflagrado no Brasil em 1º de abril de 1964 e apoiado por parcela da sociedade civil organizada, que depôs o presidente da república e gerou intensa onda de repressão.

Pensar a dura realidade da ditadura nos desperta algumas indagações. A tradição política do Brasil era intrinsecamente democrática ou autoritária? Será que o golpe de 1964 encerrou a era democrática pós-Estado Novo, iniciada em 1945? Diante dessas reflexões, percebe-se que mesmo nos períodos democráticos, os governos republicanos mantiveram algumas marcas típicas do autoritarismo. Observe que o espectro autoritário que rondava a malha do poder diluiu-se nas relações entre Estado e sociedade, gerando um aparato de interdependência. Nessa relação, é passível pensar que torturas e repressões por si só não traduzem nem respondem às inquietações preponderantes na história dos governos militares no Brasil.

Observa-se, desde a posse de João Goulart (Jango) na Presidência da República, em 1961, que setores militares já vislumbravam a queda do presidente, pois, para alguns deles, Jango simbolizava tudo aquilo que havia de ‘negativo’ na vida política brasileira: demagogo, subversivo e implacável inimigo da ordem capitalista. O golpe em 1964 ainda conquistou adeptos em outros setores, possibilitado graças à participação da sociedade civil organizada como empresários, setores conservadores da igreja e de igrejas evangélicas, da imprensa, além da colaboração do governo estadunidense.

O golpe, seguido de uma ditadura civil-militar, deflagrou uma intensa repressão em todas as esferas da sociedade. Nos primeiros dias após o golpe, um violento controle atingiu os grupos politicamente mais mobilizados à esquerda no âmbito político, a exemplo da União Nacional dos Estudantes (UNE), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas e alguns grupos católicos, como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Surgiram, deste modo, várias formas de resistência à ação repressora da ditadura.

Os militares na história do Brasil foram agentes políticos relevantes, mesmo em períodos democráticos. Para entender é preciso recuperar a atmosfera dos tempos de Guerra Fria, de radical polarização. Um momento em que se demonizavam mutuamente, e não havia ali espaço para atitudes irresolutas ou posições intermediárias. Percebeu a ideia? A luta era “do bem contra o mal”. Nesse sentido, para muitos, Jango era o mal, a ditadura um bem. Por isso a importância de uma introdutória contextualização.

Diante dos fatos, não há como fechar os olhos para a permanência de uma cultura autoritária no país, remanescente do golpe civil-militar de 1964 e do regime que se seguiu até 1985, embora a disputa pela memória também seja um embate político. Existe recentemente um grande esforço por parte de grupos políticos, sobretudo, de extrema direita, partidários ou não e, em sua grande maioria, reacionários, em buscar legitimidade política e ocupar os espaços de poder, valendo-se de discursos já utilizados anteriormente por políticos, dirigentes e grupos sociais distintos, o que não é nenhuma novidade no curso da história deste país. O resultado produzido por esses discursos no campo pragmático e social, a própria história encarrega-se de revelar. Ditadura nunca mais.

 

 

Ermerson Porto* Historiador

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