Olá, querido leitor. O CAFÉ COM HISTÓRIA deseja encerrar o mês de maio apresentando mais um texto sobre a temática do negro e o pós-abolição no Brasil. É extremamente importante, retomar a historicidade dos diferentes processos de desmonte do sistema escravocrata e os mais distintos desdobramentos que se seguiram.
Em seu cotidiano, negros libertos do cativeiro, procuravam demarcar limites e expressar a diferença entre o passado de escravidão e a liberdade. Motivos diversos corroboraram para que muitos libertos permanecessem nas localidades em que passaram a maior parte da vida na condição de cativos.
As condições climáticas e a conjuntura econômica e social, também não foram nem um pouco favorável a quem pretendia migrar para outras localidades. A seca que assolou a Bahia no final do século XIX, o desemprego, a carestia dos gêneros alimentícios e a fome não motivaram grande fluxo migratório no Recôncavo para outras regiões da Província. Imagine que um “ex-escravo” distante de sua localidade de origem poderia ser considerado e, facilmente preso, como suspeito de “vagabundagem”.
É meu amigo… para muitos, a decisão de permanecer estaria vinculada à expectativa de sustentar e até mesmo ampliar os espaços alternativos de sobrevivência. A mudança de residência significaria penoso recomeço. Permanecer na propriedade do antigo senhor significou a possibilidade de continuar a ter acesso à terra.
Perceba que a proteção da família, dos companheiros de trabalho e da vizinhança oferecia, em certa medida, alguma garantia na luta pela sobrevivência. Outrossim, a permanência nas propriedades não deve ser desligada do processo de redefinição das estratégias de luta pela ampliação de espaços próprios e das expectativas em relação à nova condição de liberdade.
Os antigos senhores continuaram a cultivar a imagem de protetores dos antigos cativos e seus descendentes. Por isso, alguns elementos da simbologia de poder e autoridade senhorial puderam sobreviver ao fim da escravidão. Mas, vale ressaltar que a “proteção” era um campo de disputas e negociações entre libertos e antigos senhores. Você já parou para pensar que colocar-se na condição de “protegido” do poderoso senhor, poderia ser uma estratégia para movimentar-se no mundo dos brancos? Foi o preço que muitos pagaram para
continuar a ter acesso a um pedaço de terra para sobreviver e sustentar a família. Isso implicava em possibilidades de garantir e ampliar espaços de sobrevivência dentro e fora dos engenhos.
Os “ex-escravos” também buscaram formas de tratamento que estivessem de acordo com a condição de liberdade, da qual passaram a gozar depois da lei do 13 de maio. Os antigos senhores sabiam que os libertos contavam com alguns trunfos, em caso de serem destratados ou verem aviltada sua condição de pessoas livres. Se fossem insultados ou maltratados, havia sempre o risco de abandonarem as propriedades, especialmente se eram trabalhadores qualificados. Interessante, não?
Diante do contexto, eis a questão: vai ou fica? Com o fim do cativeiro – ao menos formalmente – deixou de haver restrição ao movimento dos escravos emancipados e estes não se sentiam mais obrigados a pedir o “consentimento” aos antigos senhores para sair das localidades em que viviam cativos. Como em outras partes do Brasil escravista, a imagem de negros abandonando propriedades e engrossando fileiras dos desempregados e vadios das cidades, faz parte do repertório de temores das elites. O patriarcalismo senhorial que protegia e abrigava os libertos sob os telheiros das casas-grandes foi substituído pela impessoalidade nas usinas.
É possível que parte dos egressos da escravidão que migraram dos engenhos para capitais, estivessem engajados em profissões urbanas autônomas. Tudo leva a crer que, após a abolição, houve crescimento desse setor, especialmente de vendedores ambulantes de doces, frutas e iguarias em gamelas e tabuleiros, engraxates e vendedores de bilhetes de loteria. A inserção dos libertos nas comunidades urbanas era permeada de conflitos. Por vezes, em meio aos conflitos, o passado de escravidão poderia ser relembrado por algum desafeto. IMAG 6
Observe a atualidade do tema. Atente-se ainda para o fato do equívoco, de se fazer uma análise rasa, acerca do processo de inserção do homem e da mulher negra, na sociedade brasileira no pós-abolição. Permanece vigente a luta de negros e negras contra o racismo estrutural, o preconceito velado ou não, o seu lugar no tecido social e a ocupação de espaços de poder.