A Teoria Geral do Processo, como sabemos, não é instrumento de positivação do direito posto, mas, antes disso, uma construção doutrinária elaborada para viabilizar a compreensão do processo como instrumento utilizado pelo Estado para produzir e aplicar o instituto constitucional da jurisdição.

Como ensina o festejado FREDIE DIDIER JÚNIOR (“Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida” – 2.ed. Salvador: JusPodvm, 2015, p. 69), “a Teoria Geral do Processo é linguagem epistemológica sobre a linguagem jurídicodogmática; é linguagem sobre linguagem. Trata-se de conjunto de enunciados doutrinários, não normativos, produzidos da atividade científica ou filosófica. A ciência do processo cuida examinar, dogmaticamente, o Direito Processual, formulando diretrizes, apresentando fundamentos e oferecendo subsídios para as adequadas compreensão e aplicação das suas normas.”

Mas a Teoria Geral do Processo fornece o grão de ciência necessário para a sistematização das ramificações processuais decorrentes do direito substantivo que dá gênese à positivação das temáticas constitucionais componentes do instituto da jurisdição.

Em outras palavras, a teoria geral é ciência que fomenta o conjunto de regras legais de que se vale o Estado para concretizar a jurisdição. Daí a sua coexistência com as chamadas Teorias Individuais do Processo, que enfocam, por sua vez, cada ramo processual decorrente, com clara prevalência para o processo civil e o processo penal, mas sem olvidar as demais espécies da processualística brasileira, tais como o processo do trabalho e o processo administrativo.

Tudo isso é dito para justificar a existência do direito processual como uma espécie de guarda-chuva em que se abrigam as suas espécies em divisão compartimentada, mas todo ele sediado em solo constitucional, de tal maneira que não haverá processo com dogmática autônoma, senão a decorrente da ordem constitucional.

Sendo a Constituição a fonte, sua hierarquia se espraia por cada uma das subdivisões do processo, normatizando a unidade daquilo que for comum a todas ou a algumas, mas respeitando as características próprias de cada uma.

Diz a nossa melhor doutrina que o CPC de 2015 veio adaptar o processo civil brasileiro à Constituição de 88, cuja edição lhe é posterior. Exatamente por isso ele incorpora desenhos constitucionais que o código anterior apenas pressentia e necessitava acompanhar, a despeito da ausência de normas e princípios compatíveis com a nova ordem constitucional.

Alguns desses princípios, cuja incidência até então se concretizava pela força atrativa da Carta de 88, passaram a integrar o novo livro processual civil, mas sua abrangência etimológica extravasa esse limite para se estender, por aplicação analógica e unitária, a outros ramos do processo brasileiro, exatamente porque a eles se adapta sem lhes ferir a autonomia e as feições e porque a estes acrescenta aquilo que a modernização do nosso processo está a exigir desde o longínquo ano de 1988.

Tome-se, apenas pela oportunidade do exemplo, o artigo 489 do novo código, que é o corolário infraconstitucional do artigo 93 da Constituição Federal, no que pertine à necessidade de expressa fundamentação das decisões judiciais.

Antes dele não havia dispositivo semelhante em nenhum dos nossos códigos de processo, muito embora residisse na reserva mental dos operadores do direito como uma espécie daquilo que a doutrina convencionou batizar de norma implícita, na medida em que a fundamentação jurídico-legal constitui regra basilar inerente a qualquer preceito judicial.

Ainda assim, só passou a ser entendida e considerada como lacuna capaz de nulificar as decisões após a edição da Carta de 88. Agora passa a integrar expressamente a estrutura dogmática do processo nacional, na medida em que o citado artigo 489 não apenas incorporou a regra mater da sua fonte, mas seus parágrafos se preocuparam com a enumeração das hipóteses em que a nulidade se abate sobre a decisão omissa.

Esse artigo tem localização em espaço legislativo de natureza processual civil, mas sua etimologia transcende a mera localização para se estender aos demais ramos do processo, na medida em que interessa diretamente ao aperfeiçoamento da jurisdição como um todo, configurando instrumento do chamado processo constitucional.

De igual modo, princípios outros nele residentes passaram a gerar influência direta nos demais ramos processuais, de tal maneira que desde a sua edição, em 2015, inúmeras modificações se introduziram por via de legislação esparsa no processo penal e no processo do trabalho, com especial destaque para as formas alternativas de resolução de conflitos, antes inimagináveis no âmbito do processo penal e agora amplamente aqui utilizadas.

É possível ponderar que foi a introdução dos negócios jurídicos processuais previstos no art. 190 do CPC que deu origem ou ampliou as atuais formas negociais de solução de conflitos no âmbito da legislação penal e processual penal, a exemplo do acordo de não persecução penal, objeto da Lei 13.964/19, que introduziu o artigo 28-A no CPP, para possibilitar a realização de acordo nos casos e situações ali previstos.

Do mesmo naipe é o acordo de não persecução cível, introduzido pela Lei 13.964/19 (Lei Anticrime), para possibilitar a composição e a reparação dos danos causados ao erário e apuráveis via Lei de Improbidade Administrativa.

Ainda podem ser creditados à mudança paradigmática experimentada a partir do novo código a mobilização em torno da chamada Justiça Restaurativa e seus derivativos; a massificação da audiência de custódia, cuja origem remonta ao conhecido Pacto de São José da Costa Rica, mas que no Brasil cresceu de importância com a Resolução do CNJ, editada após a edição do NCPC e pouco antes da sua entrada em vigência, bem como algumas disposições da Lei Anticrime cujo espírito se harmoniza com a principiologia do CPC-15.

A extensão dos impactos do novo código no processo penal é cada vez mais perceptível, especialmente em relação ao tratamento das ações penais privadas, à calendarização do processo penal (art. 191 do NCPC), à incorporação dos incidentes de resolução de demandas repetitivas (976 do NCPC) e de assunção de competência (art. 946 do NCPC) e tudo ocorre sob o expresso consentimento da jurisprudência que o STJ e os demais tribunais do País vêm editando nesses cinco anos de vida daquele diploma.

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