Exposição “No coração de alguém que esteve aqui” conta a vida e a obra do poeta
Araripe Coutinho, carioca, mudou-se para Aracaju em 1979, e se tornou uma personalidade na cidade. Uma parada cardiorrespiratória o levou, aos 45 anos, mas suas memórias ficaram marcadas por seus amigos e pelo seu acervo. Desde a semana passada, quem está em Aracaju pode conhecer um pouco mais a fundo a história do poeta na exposição “No coração de alguém que esteve aqui”, na Galeria Jenner Augusto, anexa à Sociedade Semear.
A exposição, que tem a curadoria da cantora Antônia Amorosa, amiga íntima de Araripe, comemora o cinquentenário do artista e contou com a concepção desenvolvida pelas também amigas do poeta, a designer de interiores, Luciana Galvão e a arquiteta Ana de Cáscia Martins, juntamente com o designer de interiores (não graduado) Hélio Aguiar. Ao todo são oito mãos trabalhando diariamente e 20, indiretamente.
O desenvolvimento do projeto cenográfico atendeu as propostas do anteprojeto criado por Antônia Amorosa em torno das ambientações que destacam a vida e obra do poeta, jornalista, filho e agente cultural.
De início, o visitante é surpreendido em um quarto escuro onde recebe lanternas que desvendam frases que o poeta falava em seu cotidiano. Em seguida, o ambiente traz o histórico do poeta desde que foi deixado pela primeira vez em um orfanato na cidade de Majé, no Rio de Janeiro, para ser abandonado, de novo, aqui em Aracaju. Nesse ambiente estão dispostas muitas de suas obras.
No ambiente o visitante se depara com uma reprodução do escritório do poeta, que ficava em sua casa de 320 m² e três quartos localizada à margem do Rio Sergipe, na Orlinha do Bairro Industrial. A designer de interiores Luciana Galvão comenta detalhes da montagem. “Esse piso tem o mesmo gráfico que tem na casa dele, a gente fez um espaço bem próximo ao que tinha lá. Nas janelas… O Hélio [Designer de Interiores] se posicionou lá na janela real e fez as fotos, para que nós tivéssemos as imagens reais do que ele via ao abrir a sua janela”, comenta.
Todos os objetos usados na reprodução foram recolhidos do acervo pessoal do poeta. O designer Hélio Aguiar conta que na hora de escolher muitas coisas que poderiam parecer lixo, foram cuidadosamente separadas, limpas e restauradas para que o visitante que conviveu com Araripe se sinta na casa do poeta.
“Esse lustre… Estavam faltando algumas peças, até cheguei a sugerir procurar outro parecido em uma loja para substituir, mas elas [Luciana e Ana de Cáscia] fizeram questão de ser o mesmo, inclusive as miçangas penduradas são do mesmo jeito que ele deixava”, conta.
A designer de interiores destaca que há uma diferença na mesa. “A mesa de Araripe nunca estaria tão arrumada assim, ele ia entulhando os livros, papéis, do jeito dele”, comenta. Quando o poeta participou do programa “Morar” no canal GNT ele comentou sobre seu estilo de organização ou desorganização. “Eu gosto de desorganizar a casa, porque a vida é desorganizada. A casa tem que ser esse cenário, essa epopeia, a casa tem que ser a ópera de Maria Callas”, contava o poeta em entrevista.
Outro ambiente reproduzido da casa do poeta é sua sala, uma mistura de estampas, cores, paetês, com fotos junto aos seus amigos Clodovil e Albano Franco, e sua geladeira azul, “do tempo da guerra e funciona! Gasta horrores de luz, todo mundo quer comprar, não vendo por dinheiro nenhum”, contou Araripe em sua entrevista para o Morar.
A designer de interiores Luciana conta que ao chegar à casa do poeta era preciso tirar os objetos para poder sentar. “Nós usamos as almofadas dele, do jeito que ele colocava, várias, sem nem espaço para sentar. O Hélio até falava, ‘não! Vamos mudar isso’, mas, para nós, tinha que ser igual”, conta.
Por sua característica de gostar de tudo, Araripe possuía um acervo vasto, com peças únicas, presentes de amigos queridos. Luciana conta que Araripe sempre ao receber uma visita nova em sua casa dava algum tipo de presente, um livro, ou algo que ele falava ser a cara da pessoa.
A exposição continua com fotos, cartas, homenagens ao poeta, que mantinha diversos trabalhos sociais com a comunidade e as detentas do presídio feminino. Lá estão também algumas molduras com clippings de jornais de quando ele posou seminu no Palácio Olímpio Campos, para ilustrar seu livro em 2010, e que teve as fotos vazadas em 2011 durante uma campanha política, repercutindo a nível nacional, momento polêmico na vida de Araripe que o abalou.
Em frente a uma cadeira, com um buquê de flores amarelas, representando o mesmo que ele usava nas fotos polêmicas, está uma bela imagem do Palácio Olímpio Campos com alguns furos de “fechaduras”, para que o visitante visualize amigos e amigas de Araripe, em poses seminuas, preservando partes íntimas apenas com uma flor, em homenagem e reconhecimento ao poeta.
No último ambiente, mais uma reprodução, de parte do quintal da casa de Araripe, sua banheira, presente da sua amiga Ana de Cáscia Martins, o anjinho que chora e um painel com a impressão dos visitantes. Ana conta que foram cinco meses de trabalho intenso todos os dias. “Acho que só não trabalhamos dois domingos nesse mês, mas o contato era toda hora pela internet. Tínhamos discussões e ideias de madrugada”, conta.
Ao final, aqueles que não conheceram Araripe ficam com um desejo de tê-lo conhecido. Os que conheceram, mas não na intimidade, podem ter mudado a sua visão do poeta. E os íntimos puderam matar a saudade do amigo.
Arquiteta convidada
Em um dos ambientes, a arquiteta Marianna Albuquerque, que conheceu Araripe em 2010 em uma homenagem a ele com o Quarto do Poeta, na Mostra Aracaju 2010, criou um espaço que representa a Pluralidade de Araripe. Com peças variadas do seu acervo, Marianna conta como foi o processo de criação.
“Montar o espaço foi um processo muito gostoso e muito profundo também. Eu tinha uma ideia do que queria, baseada nas minhas memórias da casa dele e do que ele representa. Eu quis trazer a pluralidade do poeta assim como ele era mesmo: muitas coisas ao mesmo tempo. Quem fosse na casa dele ia encontrar vários objetos diferentes juntos, e eu quis retratar isso. A parte mais difícil foi mexer nas coisas dele.
Para mim era como tocar nele e ao mesmo tempo sentir a dor de não estar com ele ali sabe?! O tempo todo eu pedia inspiração dele, que ele me guiasse como gostaria de ter aquele espaço. Sentei no chão por vários dias com tudo em volta de mim, botei o jazz que aprendi a ouvir com ele e fluiu. Cada objeto ali é dele, eu só fiz organizar, colocar uma luz, contar a história da pluralidade dele: do ralador pra cozinhar o famoso bacalhau, dos pratos pra servir ao próximo, do altar e das guias pra representar a fé que passou por várias religiões, os sapatos icônicos deles, a caderneta em branco em homenagem aos poemas e palavras não ditas pela morte precoce, as plumas adoradas por ele. Está tudo ali. Ele está ali”, conta.
Exposição
Para ter acesso à exposição o visitante terá monitoramento. É necessário encaminhar a mensagem “Eu quero visitar a Exposição sobre Araripe” para o email exposicao50@gmail.com. As informações para visitação também podem ser feitas pelo WhatsApp 79 998498249 ou +56 9 57938180. Os horários de funcionamento ocorrerão até o final de março, de quarta a sábado, das 18h às 21h.