Cresci ouvindo dos meus pais, Irineu e Susete, quando elogiavam alguém as palavras talento e dom. Eles diziam: – Olhe como Vilhermano é talentoso! Minha mãe completava: É um dom que ele traz desde bebê. Minha bisavó, Noemi Brandão por sua vez, sempre me falava o seguinte: – Olhe, meu neto, as pessoas têm dons e você sempre ande com os talentosos.

Sempre achei que as palavras dom e talento tinham o mesmo significado. Na vida fui aprendendo a diferenciar e lá descobrir que as duas se completam. Dom vem do latim donus, que significa dádiva, presente. E o talento se distingue-se por ser justamente uma habilidade que pode ser desenvolvida ou aperfeiçoada. E essa aptidão pode ser o que você procura.

 

Aprendo que, nesse sentido, em determinada atividade somente depende de você. Já diz o ditado que “todo talento é 1% inspiração e 99% transpiração”.

Na minha infância convivi com muita gente com dons, talentos e que se destacavam em todas as áreas. Meu pai era um desses talentosos vendedores de ideias, produtos e sonhos. Minha mãe tinha um dom sem igual de cuidar de todos nós, alimentando no dia-a-dia de felicidade, a paz e a esperança de todos, sempre com muita música, histórias e exemplos. Já meu avô materno José Alves, o Dedê Sombrinha era um talentoso contador de história, casos, causos e um importante barbeiro de Estância. Minha avó Marrocas, tinha o dom dos temperos e sua maniçoba era reconhecida em toda região. Minha avó paterna, América, tinha vários dons artísticos, tocava piano, cantava muito bem, além da facilidade em aprender novas línguas. Mais nunca se importou em ser talentosa. Mas vivia elogiando apaixonadamente o dom e o talento do irmão José Calazans Brandão da Silva, um dos maiores historiadores do país. Meu avô, José Domingues, tinha talento para as leis, contudo adorava estar em volta dos mais talentosos boêmios da cidade, como Carnera, Carvalhal, João Pires Argollo, João Mello, João Rodrigues, General Graciliano, Orlando Dantas, Massêpa, Maria Olívia entre outros grandes nomes da arte e da política.

Sou um sergipano orgulhoso e busco pela vida esses talentos e dons espalhados por aí. E amigos tenho encontrado vários. Aqui vou começar a falar de alguns.

 

Uns com o dom que receberam do além, da espiritualidade, do seu Yin e Yang, que muitas vezes assusta, por você não conseguir explicar tanto talento. Um desses exemplos é o menino “Vilermando Orico”. Meu pai e a minha mãe sempre elogiavam. Claro, não conheci pessoalmente, todavia ouvir muitas gravações dele e tenho algumas guardadas que recebi de outro grande e talentoso sergipano, Luiz Antônio Barreto.

Com uma voz marcante, de fortes agudos, cantava quase tudo, incluindo as músicas que compôs ainda menino. Vilhermano ficou em segundo lugar no concurso do Hino do Centenário de Aracaju, com apenas 11 ou 12 anos. Cantava e tocava piano, vestindo-se como um astro de Hollywood, com direito a Fã Clube. Era a primeira carreira artística planejada na capital de Sergipe. Um dom aliado a muito talento e incentivado pelo seu pai José Orico dono do primeiro estúdio de gravação da cidade.

 

Comecei muito cedo a cantar ainda na escola primária. E quando meu pai me viu cantando pela primeira vez, disse: – Se vai cantar, tem que ser como João Mello, o cantor máximo de Sergipe.

João Mello nasceu em 24 de junho de 1921, em Salvador (BA). E aos três anos de idade já estava morando na cidade de Boquim (SE). Vindo para a capital sergipana nos anos 30. Estudante do Atheneu Sergipense, recebeu a influência musical do grande amigo Carnera. João gravou, compôs muitas músicas e se transformou-se em um dos maiores produtores musicais do Brasil. Seu dom para descobrir e trabalhar talentos era espantoso. Descobriu Jorge Bem Jor, Djavan, Baden Pawell e Novos Baianos, entre outros.

 

No começo dos anos 80, conheci um menino magrelo e comprido, no Grupo Raízes, tocando muito bem em um dos espetáculos, no Teatro Atheneu. Chegou a convite de Jorge Lins meu parceiro talentoso e importante homem das artes cênicas de Sergipe. Descobriu essa joia rara em uma escola pública. Pantera era o nome com o qual ele se apresentava.

O menino Edelson nasceu na capital paulista, onde viveu por cinco anos. Logo, tomou o caminho do Nordeste e chegou em nossa Aracaju, terra natal de sua família.

 

Aos nove anos, Pantera pediu um violão ao pai e, com muita insistência ganhou o sonhado instrumento. Colocou o novo companheiro embaixo do braço e para todo canto que ia era o parceiro inseparável. A partir dali, nasceu um talentoso músico, cantor e compositor sergipano. Um autodidata com um gosto refinado, uma ternura na voz e muita iluminação ao seu redor. Pantera é pura música, harmonia e melodia. Um gênio da nossa música. Pantera tem passagem pela Europa e por boa parte desse país. Mas foi aqui em Aracaju que ele teve a oportunidade de conhecer um dos seus ídolos, o guitarrista Toninho Horta. Um músico brilhante que está entre os 10 melhores guitarristas do mundo. Toninho ao ouvir Pantera ficou impressionado e produziu o primeiro disco do nosso gênio.

 

Podem dizer que Sergipe é o menor estado do país. Porém não podem nos acusar de não sermos talentosos. Dom e talento nascem por aqui. Deve ser em virtude das águas do rio Sergipe, se misturarem as do Poxim, Piauitinga, Vaza Barris, Japaratuba e Cotinguiba. Águas que no passado nos trouxeram riqueza e deram ao país gente importante. Cantoras como Guaracy Leite França, Neuza Paes, Rute Brandão, Maria Célia, Amorosa, Patrícia Polayne, entre tantas outras.

Destaco Gena Ribeiro ou Gena Carla ou simplesmente Gena. Menina Aracajuana, estudante do Colégio Salvador, muito cedo se destacou no cenário musical sergipano. Começou como brincadeira no Karaokê do Circo Amoras e Amores, todavia aos 16 anos já estava pronta para o sucesso.

 

Além de uma grande voz, com timbre forte, ela alcançava as notas graves com a mesma facilidade que as agudas. E com uma interpretação de não deixar nenhuma dúvida do que ela estava cantando. Enfeitiçava e seduzia homens, mulheres e crianças com seu canto e sua presença de palco. Dom à flor da pele, alimentava um extraordinário talento. Gena era a cor e o cheiro do canto. Uma intérprete que deveria ser ouvida por todos os seres vivos desse planeta. Infelizmente os anjos precisaram de mais uma voz para o coro celestial e a levaram muito cedo.

 

Convivi e convivo com muitas pessoas talentosas que me inspiram a todo momento. E encontrei pela estrada da vida com inúmeros talentos, cada um no seu papel e setor, como Zé Rolinha, Mestre da Cultura Popular, Maria da Conceição, Mestra de Laranjeiras; Nadir da Mussuca, a maior artista popular que conheci; Mestre Deca do Cacumbi, trovador e contador de história:  João Sapateiro, poeta popular; Ademar escultor; Alcides Melo, um artista com o qual comecei a entender o que é a sergipanidade musical.

 

Atualmente, tenho encontrado uma nova safra de gente talentosa e cheia de dons. Dois deles localizei pelas paredes da cidade. Um é Egnaldo Correa, popularmente conhecido como “Korea”. Aracajuano, nascido em 1991, Korea começou a desenhar na escola. Por influência de amigos, logo pegou gosto pelas artes e buscou nos livros mais conhecimento. A cena urbana sempre chamou sua atenção, por meio de um amigo chamado Craz, que já pintava grafite. E foi Craz que motivou a desvendar o grafite e pintar. Tornaram-se ele e o amigo Jonny, as maiores referências no grafite do nosso estado.

 

Jonny Carlos, o Feyk outro garoto da periferia que escolheu a arte do grafite como expressão. E como é talentoso esse menino! Suas obras estão por todo Brasil, nas paredes das grandes cidades. E começa a ganhar as paredes das galerias. Arte profunda, visionária. Representa a nossa riqueza cultural. Jonny é estudante de Teologia e um grande ativista cultural.  Representa muito bem a nova cena artística. Organiza eventos estaduais e nacionais, como o Encontro Nacional de Grafite.

Sou fã dos dois. Meninos criados na periferia da cidade que, com o apoio diário dos familiares, como também pelos seus dons e talentos, estão na luta por um mundo melhor, por meio da arte que eles produzem.

Tenho uma ligação muito grande com a dança, pela amizade que fiz com o maior nome da dança em Sergipe, a talentosa e profissional Lú Spinelli.

Nessa área tenho muitas referências que posso citar. Dorinha Teixeira e suas filhas, Moema e Iracema Maynard, Cecé Duarte, Cleanes, Natália Reis, Elzinha Batalha, Gladston Santos, Francisco, Hamilton, entre tantos.

 

Sou fã também de uma bailarina que conheci muito jovem, Cecília Cavalcante, embora que a minha referência maior seja nada mais nada menos que a minha amiga e saudosa Lú Spinelli. Além de ter sido uma grande estudiosa da dança, era uma ótima coreógrafa. Produziu, formou profissionais, defendeu com unhas e dentes a dança sergipana e brasileira. Dançava com muita técnica e alma. Adorava seus espetáculos e sua performance.

Conheci Cecília e identifiquei, de imediato, as mesmas qualidades artísticas de Lú, como também de Gena. Uma mistura de emoções fortes que nos transportam para outros planos. Descobri também a sua dedicação, estudo e empenho em transformar pessoas por meio da dança. Doce, educada, dedicada e moderna, seu dom transcendeu e fez do seu talento um instrumento de perpetuação da dança.

A cada momento, Cecília Cavalcante repassa essa dádiva que recebeu dos ancestrais ciganos, amadurecendo seu talento e contribuindo para o crescimento da dança e das pessoas dessa cidade.

O dom é um presente que recebemos. E o talento, o reconhecimento desse dom, que deve ser trabalhado e construído ao longo do tempo. O resultado devemos compartilhar com todos.

 

Neu Fontes

Cantor, Compositor, Publicitário

E Gestor Cultural.