O acesso às informações será mais célere e eficaz”

Por Habacuque Villacorte – Da Equipe Cinform On Line

Com a proximidade da aplicabilidade, exclusiva, da Nova Lei de Licitações em todo o País, a reportagem do Cinform On Line procurou o coordenador de Controle Interno do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), Fábio Silva, que na oportunidade tirou algumas dúvidas a respeito da nova legislação que deverá entrar em vigor, definitivamente, a partir de 30 de dezembro deste ano. Fábio vê avanços no combate à corrupção, como também sobre mais agilidade e transparência nos processos licitatórios, mas apesar das capacitações de gestores públicos e técnicos, há ainda uma preocupação sobre a adequação da maioria das prefeituras e câmaras municipais sergipanas. Confira a seguir, e na íntegra, esta entrevista esclarecedora:

CINFORM ON LINE: Iniciando a entrevista, vamos direto à pergunta que não quer calar: qual a grande novidade da nova lei de licitações? De pronto, o que mais chama atenção na nova legislação que entrará em vigor a partir de 1º de janeiro?

FÁBIO SILVA: Embora ainda a tratemos como “Nova” Lei de Licitações, devemos reconhecer que o referido diploma legal, a Lei nº 14.133/2021, já faz parte de nosso ordenamento jurídico há mais de 02 (dois) anos, com plena eficácia desde a sua publicação, que se deu em 01 de abril de 2021. Durante todo esse período, o novo estatuto das licitações e contratos nos permitiu utilizarmos, de forma alternativa e concorrente, de outras ferramentas e regramentos disciplinados em diplomas legais como a Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos), a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e a Lei nº 12.462/2011 (Lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC). Portanto, embora recheado de novidades, o novo estatuto das licitações e contratos tem como maior e mais impactante novidade a “revogação”, em 30 de dezembro de 2023, das leis anteriormente citadas (a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/2002 e os artigos 1º ao 47-A da Lei nº 12.462/2011). A partir de então, teremos uma nova ordem jurídica com um olhar especial para a implementação de processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, visando assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.

CINFORM ON LINE: Em sua avaliação, diante de tantos eventos já realizados sobre capacitação, há ainda algum risco de essa nova lei sofrer um novo adiamento ou desta vez ela passará a vigorar definitivamente?

FÁBIO SILVA: É indiscutível a importância do processo de capacitação dos agentes públicos e de toda e qualquer parte interessada e/ou envolvida no processo de contratação pública. Tanto é que, o art. 173 do Novo Estatuto das Licitações e Contratos impõe aos Tribunais de Contas, através de suas Escolas de Contas, o dever de promoção de tais capacitações. Mas, sou enfático ao afirmar que o verdadeiro aprendizado se dá com a prática do dia a dia. Prática, esta, que não se vê aplicada na esmagadora maioria dos municípios brasileiros e de outros entes públicos. É aplicando a lei em nossa rotina de trabalho que adquirimos expertise, segurança e confiança. Portanto, enquanto houver insegurança na aplicação da nova lei, haverá, pelo menos, o desejo de sua postergação. Mas, o que nos é permitido afirmar, sem que haja qualquer risco de erro, é que a nova lei de licitações é um caminho sem volta.

CINFORM ON LINE: Para quem não conhece o assunto a fundo, por que houve o adiamento de sua aplicabilidade no início de 2023?

FÁBIO SILVA: A Lei nº 14.133/2021, foi publicada em 1º de abril de 2021. Em seu texto original estava previsto que, após decorridos 2 (dois) anos da publicação, estariam revogadas a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/2002 e os artigos 1º ao 47-A da Lei nº 12.462/2011. Embora decorrido todo esse lapso temporal, a esmagadora maioria dos municípios brasileiros mantiveram-se inertes quanto à regulamentação e aplicação da nova lei. Não restou outra alternativa aos gestores públicos, senão pressionar o governo federal para que viesse a prorrogar tal prazo. De início, a prorrogação se deu através da Medida Provisória de nº 1.167, de 31 de março de 2023, que veio a caducar. Hoje, a prorrogação se vê sustentada através da Lei Complementar nº 198, de 28 de junho de 2023. Em suma, o adiamento da aplicabilidade “exclusiva” da nova lei de licitações se deu pela inércia de quem deveria aplicá-la no prazo inicialmente previsto em lei.

CINFORM ON LINE: Os municípios sergipanos (leia os gestores públicos do nosso Estado) estão preparados para atuarem sob esta nova legislação?

FÁBIO SILVA: A realidade dos municípios sergipanos não destoa da realidade dos demais municípios brasileiros. As dificuldades que enfrentaremos para a implementação da nova lei não serão diferentes. Até os dias atuais, pouco se ouve sobre um dos requisitos primordiais para a aplicação da Lei nº 14.133/2021 que é a regulamentação de alguns de seus dispositivos. Ou seja, sem regulamentação, sem aplicação. E aqui, de forma oportuna, reafirmo que o verdadeiro aprendizado se dá com a prática do dia a dia. Prática, esta, que não se vê aplicada na esmagadora maioria dos municípios sergipanos.

CINFORM ON LINE: Sergipe possui uma lei estadual de licitações? Para o modelo local, qual a lei mais eficiente? A atual ou a nova lei que entrará em vigor?

FÁBIO SILVA: Oportuno ressaltar que é competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, conforme disposto em nossa Carta Magna (art. 22, XXVII). Relembro o texto constitucional para afirmar que o que temos de arcabouço legal está inteiramente alicerçado nas Normas Gerais outrora editadas pela União. Significa dizer que as normas que hoje gravitam no Estado possuem uma defasagem sistêmica e são, por vezes, incompatíveis com o desenvolvimento tecnológico e com a dinâmica contemporânea das relações contratuais com a Administração Pública. Embora longe de inaugurar um sistema completamente novo de contratação pública, a nova lei de licitações e contratos, além de atenta à evolução tecnológica que, de forma indiscutível e incontestável, transforma os nossos modelos de trabalho, assim como a legislação a eles aplicados, implementa o modelo de governança, com novos mecanismos de controle e gestão de riscos, tornando-a mais eficaz no combate aos desperdícios, à corrupção e trazendo maior transparência aos processos licitatórios.

CINFORM ON LINE: Se a partir de janeiro, considerando que não teremos mais recuos ou atrasos, um município ou o próprio Estado não estiver pronto para aplicar a nova legislação, existe algum tipo de penalidade? Este risco existe?

FÁBIO SILVA: A Lei nº 14.133/2021 substituirá, a partir de 30 de dezembro de 2023, a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/2002 e os artigos 1º ao 47-A da Lei nº 12.462/2011. Assim como se dá nos estatutos que estão em vias de revogação, a inobservância da nova lei de licitações e contratos, com aplicabilidade exclusiva, também trará responsabilização aos agentes públicos e/ou a terceiros. As penas a serem imputadas poderão ser cumulativas, ou seja, de natureza administrativa, cível e criminal. Observe-se que os tipos penais e respectivas penas, outrora consagrados na Lei 8.666/93, foram imediatamente revogados pela Lei nº 14.133/2021 e consagrados no Código Penal. Diga-se que não se trata, apenas, de uma infração à uma norma infraconstitucional, mas fere norma constitucional, nos termos do art. 37, XXI da Magna Carta.

CINFORM ON LINE: Falando mais detalhadamente da nova lei, em sua avaliação ela vai mesmo garantir mais agilidade e transparências nas licitações? Por que?

FÁBIO SILVA: Certamente trará mais celeridade e transparência. Quanto à celeridade, a Lei nº 14.133/2021 prevê medidas de racionalização dos procedimentos como a adoção de modelos digitais para obras e serviços de engenharia, a elaboração de minutas padronizadas de editais, contratos, termos de referência e de outros documentos, a centralização de procedimentos, a criação de catálogo eletrônico, o sistema informatizado de acompanhamento de obras, com recursos de imagem e vídeo. Dentre outras tantas medidas, a nova lei destaca como base principiológica a virtualização dos atos de licitação, ou seja, prevê que os atos sejam preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico. Quanto à transparência, reputo ao Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) como uma de suas grandes inovações operacionais. O Portal Nacional de Contratações Públicas é um portal eletrônico de abrangência nacional, sob o formato de dados abertos e públicos, que serve como um sistema oficial para a realização de todos os atos das licitações e contratações, funcionando também como repositório obrigatório de informações e documentos de todas as contratações públicas do País.

CINFORM ON LINE: A nova lei de licitações será, efetivamente, uma ferramenta capaz de diminuir drasticamente os índices de corrupção na administração pública do País? Sim ou não?

FÁBIO SILVA: Embora longe de propor uma revolução para a forma como o Estado contrata, certamente a Lei nº 14.133/2021, se devidamente aplicada, dará um grande salto de qualidade no processo de contratação, com potencial para coibir a corrupção nos contratos públicos. Nesse sentido, merece nosso destaque o esforço da nova legislação ao elevar à condição de norma principiológica o “planejamento”, a “transparência” e a “segregação de funções”, processos essenciais à prevenção da corrupção. Mas seu texto vai além, impondo responsabilidade à alta administração do órgão ou entidade pela governança das contratações, assim como o dever de implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, visando promover um ambiente íntegro e confiável, buscando alcançar eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações. Implementando processos e estruturas de controle interno e de gestão de riscos em contratações públicas, além de se reduzir a probabilidade de um evento adverso ocorrer nas diversas etapas de uma contratação, evita-se o desperdício dos recursos públicos e se reduz a probabilidade de cometimento de atos de corrupção nas contratações, gerando, com isso, melhores resultados para a sociedade.

CINFORM ON LINE: Como será a atuação dos órgãos de controle e fiscalização, como o Tribunal de Contas, por exemplo, diante dessa mudança na legislação? Esse trabalho de monitoramento também será mais eficiente?

FÁBIO SILVA: As medidas de racionalização dos procedimentos e o novo modelo de transparência dos processos de contratação implementados pela Lei nº 14.133/2021 em muito facilitará o trabalho de fiscalização dos Tribunais de Contas. Como dito anteriormente, a nova lei destaca como base principiológica a virtualização dos atos de licitação, ou seja, prevê que os atos sejam preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico. Portanto, o acesso às informações pelos órgãos de controle se dará de forma mais célere e eficaz.

CINFORM ON LINE: Concluindo a entrevista, falando do TCE/SE, muitos cursos e treinamentos foram realizados para prefeituras e Câmaras Municipais. Qual a avaliação? Os jurisdicionados estão preparados? E os técnicos do Tribunal? Estão devidamente capacitados?

FÁBIO SILVA: Reitero a importância do processo de capacitação através de cursos e treinamentos para os agentes públicos, sejam eles pertencentes aos órgãos jurisdicionados ou aos órgãos de fiscalização, mas confesso ser preocupante nossa insegurança para podermos afirmar que todos aqueles que passaram por tal processo de capacitação estão realmente preparados para executarem ou fiscalizarem processos e procedimentos decorrentes da Lei nº 14.133/2021. Aqui, reafirmo minha despretensiosa e humilde compreensão de que o verdadeiro aprendizado se dá com a prática, com o experimento, com o exercício dia após dia. Com a superficial leitura que faço da realidade atual de nossas prefeituras e câmaras municipais, ouso afirmar que pouco se avançou desde o dia 31 de março do corrente ano, momento em que se suplicava por mais tempo para se adequar à uma nova realidade. Eis que a realidade é posta.

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