Face à omissão desgovernada do Estado, o Hotel Palace permanece como uma careta no centro histórico de Aracaju, oferecendo feiura e risco permanentes para a população
Este ano que passou, desenrolou-se mais um capítulo da novela Hotel Palace de Aracaju. Trata-se de um imbróglio de décadas, envolvendo inação do poder público, aqui representado pelo Estado de Sergipe, mais de 60 invasores e concessionários, além de intervenientes como Ministério Público, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Tribunal de Contas do Estado, Serviço de Patrimônio da União e até mesmo a Prefeitura Municipal, esta última como interessada direta pela utilização dos espaços públicos do município.
Em 2012, houve um esforço da Secretaria do Turismo, na gestão de Élber Batalha Filho, para tentar regularizar a situação precária de utilização do prédio, então nas mãos de 63 lojistas. Muitos deles legalizados, por meio de concessões públicas, outros, simplesmente ocuparam os espaços à revelia da Emsetur, empresa pública proprietária do edifício.
Daqueles 63 ocupantes, a verdade é que apenas três ou quatro pagavam mensalmente pela cessão de uso, como estabelecem os contratos. Um espaço na sobreloja, ou primeiro andar, foi ocupado, por cessão, sem ônus para o SPU ¬ Serviço de Patrimônio da União, órgão público que moveu ação indenizatória contra o Estado de Sergipe, que lhe cedera o espaço gratuitamente, recebendo uma bolada por conta do despreparo jurídico ou, simplesmente, por negligência histórica dos gestores da Emsetur.
TENTATIVAS DE RESOLUÇÃO
Bem antes de Élber Batalha, foi encomendado um projeto com a arquiteta Ana Libório, referência na área de exploração técnica de espaços públicos. Esse projeto, de qualidade e beleza inquestionáveis, recuperava as fachadas e os espaços internos do prédio e, ainda, criava espaço de garagem para 151 veículos.
Mais recentemente, em 2015, em reunião na sede da Federação de Comércio do Estado de Sergipe, com as presenças do seu presidente, Laércio Oliveira e da arquiteta Ana Libório, a profissional fez uma apresentação do seu projeto, o que encantou o presidente da Fecomércio.
Com isso, Laércio declarou: “Me entreguem o prédio desocupado e eu providencio a reforma”. Laércio pensava em um expressivo projeto de transformação do espectro do velho Hotel em um hotel-escola, espaço para formação de profissionais de hotelaria: atendentes, gerentes, camareiras, garçons, enfim, um presente para Aracaju e, mais especificamente, para a sua população.
Finalmente, no ano passado, uma verdadeira operação tapa-buracos foi efetivada, sob o olhar complacente das autoridades e ampla cobertura da mídia, com imagens programadas de visitas técnicas de especialistas ao velho e sofrido hotel.
Ocorre que não há esforço, muito menos qualquer empenho do governo para solucionar esse impasse. Assim, qualquer dificuldade é um abismo suficiente para postergar a reforma, o que leva a população a descrer de laudos que afirmam não existir risco imediato de desabamento, o que deixa o Estado em posição de responsável único pelo que ocorrer.
OUVINDO GENTE
A Emsetur possui em seus quadros funcionários qualificados, com uma história de dedicação à empresa. Conversando com uma dessas funcionárias efetivas, com décadas no Estado, mas que pediu sigilo, ouve-se, na gravação, quando ela afirma que a Emsetur não possui escritura do prédio, a não ser da torre principal, e que não sabe como nem quando os ocupantes dos espaços se apoderaram do bem público. Também não sabe se algum deles possui Escritura Pública de Compra e Venda.
Entretanto, o prédio é uma estrutura única, possui, evidentemente, título de domínio e está em nome da Empresa Sergipana de Turismo. Há mais de 10 anos, inclusive, foi sancionada uma Lei em que a Assembleia Legislativa autorizava a venda do edifício para qualquer interessado.
A funcionária afirmou, ainda, que “a Emsetur não recebe qualquer valor referente a quaisquer contratos de cessão de uso das salas”, acrescentando que “desconhece a existência desses contratos”. A inexistência desses contratos é impossível, salvo se foram proposital ou acidentalmente destruídos.
Explorando dados do site G1, pinçamos fala do presidente do CREA em Sergipe, Arício Rezende, que afirmou, em julho de 2017: “Nós não tínhamos conhecimento da dimensão da situação que se encontrava o Hotel Palace. Mas hoje vimos que ele não tem condições internas, em virtude das infiltrações e as vigas aparentes. Tudo isso, até o terceiro andar, imagine o restante. Serão necessárias duas ou três vistorias para que o laudo seja concluído”.
Ouvimos o filho do comerciante mais antigo do Hotel Palace, Luiz Carlos, que explora um quiosque de confecção de chaves e comercializa mercadorias no varejo. Seu pai, Luiz José Rezende, conhecido garçom entre a alta sociedade aracajuana, conseguiu a concessão na época da inauguração, através do próprio governador que inaugurou o prédio, Luiz Garcia.
Estão, portanto, há mais de 50 anos explorando sua atividade no local, sendo, provavelmente, o único ocupante a possuir uma Escritura Pública, conseguida por via judicial após a morte do seu pai, há mais de 10 anos.
Estão cansados de ouvir notícias de recuperação do prédio e não nutrem mais esperanças de ver algo sério ser efetuado por esses governos que se alternam no poder, sempre esquecidos de tomar iniciativas que não sejam de apelo popular.
Por conta disso, o CINFORM ouviu a conhecida arquiteta Ana Libório, que conversou acerca de problemas envolvendo o Hotel Palace e outros relacionados com o turismo na nossa sofrida cidade de Aracaju.
CINFORM – A quem pertence, de fato, o Hotel Palace de Aracaju?
Ana Libório – O Hotel Palace é de propriedade do estado e foi arrendado pelo estado desde aquela época[depois da inauguração] para o empresário Lazar, que ficou conhecido como dono do Hotel Palace, inclusive a família dele morou no hotel um tempo e depois que o Hotel encerrou as atividades ele voltou para o Estado e ficou a parte da lâmina sem utilização. Tem um andar que existem alguns órgãos, o segundo andar era do governo federal[SPU], por cessão do governo estadual e a parte de baixo foi vendida, e é aí que se encontra a grande dificuldade do hotel, foi loteada para vários empresários que foram comprando aos pedaços, então tem uma situação jurídica meio esdrúxula porque ele é parte do governo do estado e parte de proprietários privados, que têm pequenas áreas ali em baixo onde funciona aquele comércio.
Como a senhora avalia o estado do prédio, com relação à segurança (risco)?
Bom, o estado do prédio é crítico porque ele está com a parte de cima bastante danificada e existe a infiltração descendente, que vai por ali… As paredes vão infiltrando, a questão das janelas, a colocação daqueles cobogós piorou muito a situação do prédio, porque naquela parede de chuva provavelmente entra água, nas chuvas de vento, e a situação dele é que tem que ser interrompido porque é um prédio de quase 50 anos, de não sei quantos andares se deteriorando, é uma ruína perigosa no centro de uma cidade. Nós temos um laudo técnico de 2010, feito pela SEOP, engenheiro Arthur que dizia que a estrutura dele estava em bom estado e o prédio era bastante recuperável, mas lá se vão 8 anos de desuso e falta de manutenção, a gente acredita que agora deve estar numa situação bem pior, mas, tem um pessoal, uns engenheiros que trabalham com recuperação de estrutura e que já andaram avaliando, [eles] consideram que a estrutura é recuperável sim.
Conheci o seu projeto de recuperação do prédio, inclusive com inclusão de garagens, que é um problema sério no centro de Aracaju. Por que esse projeto não é executado?
Na verdade, não foi um projeto de arquitetura, foram alguns ensaios que a gente fez a pedido da Sedetec, na primeira vez e depois [houve uma apresentação] a pedido da Fecomércio, e assim a gente sempre acreditou que um dos maiores problemas da falta de interesse de todos pelo Hotel Palace era a falta de estacionamento. Como aquela parte ali, daquele segundo andar, está bastante deteriorado ¬ há anos que ela vem se deteriorando ¬ pois era naquela área que se encontrava a piscina, o que também já é bastante problemático, então a gente achou essa solução para ele [o prédio] e o transformaria em um edifício de garagem, pelo menos em uns três andares e recuperaria a lâmina, porque a lâmina tem um significado muito importante para Aracaju, lá é uma das primeiras torres construídas na cidade, estilo modernista então, ela tem todos os ícones do modernismo, térreo em piloti, pavimento duplo, teto jardim, cobogó, pastilha, então ele é um edifício muito marcante da arquitetura modernista, o tombamento dele já vem sendo estudado há muitos anos pelo Conselho Estadual de Cultura, ele forma com o edifício Cidade de Aracaju o famoso Maria Feliciana um conjunto muito importante, muito importante ali no centro de Aracaju, então a gente acredita que o ideal é que a torre fosse preservada e essa solução ficou interessante.
Algum gestor, que a senhora conheça, já levou realmente a sério a questão do Hotel Palace?
Sim, algumas gestões já se interessaram, esse estudo que eu citei foi contratado pela Sedetec (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e da Ciência e Tecnologia) na época do governador Marcelo Déda, justamente para dar uma possível solução para Hotel. A ideia na ocasião era fazer uma escola de garçons, inclusive recuperando a capacidade hoteleira do prédio porque aí seria um hotel escola para os garçons treinarem ali, garçons, camareiras, todo esse pessoal que trabalha em hotel, mas não foi adiante. Aí, tempos depois o Laércio nos procurou para a gente fazer um estudo pensando em utilizar o edifício para o Sesc ou Senac, dotando-o de um mini-teatro para os comerciários irem nos finais de tarde e utilizando os pavimentos como vãos livres para aluguéis, escritórios e nos [demais] pavimentos seriam dados usos múltiplos.
O que a senhora acha da ideia de Laércio Oliveira, de transformar o edifício em um hotel escola do Senac?
Trabalhamos nesse sentido, para o Laércio, a ideia é que o hotel tem um significado muito grande, um lugar super estratégico, a gente resolvendo a questão do estacionamento, que é o ponto mais crítico, então, gente, ele é plausível, mas o que me preocupa, realmente, é se a estrutura é recuperável ou não esse é um dado que a gente, arquitetos, não domina, tem que ser por engenheiros estruturalistas, que saibam restaurar estruturas de edifícios, então, a gente, arquitetos, tem essa limitação.
A senhora conhece o que ocorreu com os imóveis que pertenciam à Emsetur (Apartamento no Rio de Janeiro, Taberna do Tropeiro, Hotel Balneário de Salgado, Hotel Velho Chico, bar temático no bairro Siqueira Campos, terrenos na Atalaia…)?
Não, não tenho ideia do que aconteceu nem tinha ideia desse patrimônio, o único que eu sei é do Hotel Parque dos Coqueiros, que era um patrimônio que Sergipe tinha e que foi demolido, ou passado para terceiros, mas esses outros bens eu não tenho conhecimento
O que acontece com o espaço público da orla de Atalaia, com incontáveis invasões/ocupações perpetuadas à revelia dos poderes públicos?
O que acontece nas praias de Sergipe é muito triste porque as ocupações são de péssima qualidade, você vem viajando pela Linha Verde vendo aquelas praias maravilhosas e quando você entra em Sergipe aí começa a ocupação favelizada, porque todos reclamam das praias daqui mas as praias daqui são lindas, maravilhosas, os coqueirais… O que estraga realmente é a ocupação humana, praias muito pavimentadas, muita construção; então, assim, construções, pavimentos, concretos tudo que o turista não pretende esperar de uma praia ele encontra aqui; banheiros fétidos, problemas sanitários, uma arquitetura com cara de invasão, favelizada realmente. Antes, as ocupações das praias sergipanas eram muito mais bonitas, feitas com madeira, telhados de palhas de coqueiros, até de piaçava; agora, tem telha de Eternit, tem de tudo, muito feio! Então, é necessário um trabalho de harmonização dessas praias com a natureza
Por que é tão difícil implantar em Sergipe uma política séria de exploração de suas potencialidades turísticas, considerando o espaço arquitetônico da cidade e dos espaços do interior do Estado?
Costumo chamar o turismo sergipano de “A bela adormecida”. O estado tem um potencial incrível para o turismo, mas todos ficam só focados na questão das praias, porém sem cuidar delas, sem dar realmente uma aparência boa, um tratamento legal, fazer uma arquitetura mais harmonizada com a natureza. As pessoas focam nas praias e esquecem o potencial todo que o estado inteiro tem em termos de patrimônio histórico, que não é visitado. Assim, na nossa opinião Sergipe é o lugar ideal para você desenvolver um plano integrado para o turismo, porque o estado é pequeno, as distâncias são curtas e dá para trabalhar várias programações para os municípios, aproveitando até a infraestrutura já existente na capital, porque a gente pensa da seguintes forma: quando as pessoas falam de turismo pensam logo em superestruturas, aeroportos, hotéis, em estradas , mas isso tudo está bem encaminhado, por exemplo, Aracaju é uma cidade bem dotada de hotéis e o que pega mesmo é a falta das atrações turísticas para as pessoas visitarem, pois é isso que atrai os turistas, e é aonde as pessoas vão, vão de geep, de várias formas ¬ o turismo de aventura ¬ e a partir daí você começa a atrair os outros segmentos… Falta mesmo é [investir] nas atrações turísticas, no perfil turístico, aumentando o tempo de permanência [do turista] em Sergipe.