No último mês de maio a sociedade sergipana foi presenteada com uma obra de fôlego sobre Marcelo Déda na construção da democracia, em Sergipe, como parlamentar e gestor nas esferas municipal e estadual e também no Brasil, pela influência cada vez mais contundente que o líder sergipano teria sobre os rumos do seu partido no poder.
O professor e historiador Ibarê Dantas nos traz informações valiosas, fruto de pesquisa acurada e extremamente documentada, com olhar percuciente sobre os fatos políticos e sobre a trajetória desse brilhante líder político sergipano. Com essa obra, o Prof.Ibarê Dantas se coloca entre os maiores historiadores da nossa história, escrevendo sobre Sergipe e em Sergipe, cobrindo quase um século da política sergipana. Iniciando com “O Tenentismo em Sergipe (da Revolta de 1924 à Revolução de 1930) o pesquisador da nossa história segue os caminhos de Clio, aprofundando estudos sobre Os partidos políticos em Sergipe (1889-1964) passando pela Tutela Militar (1964-1984), Eleições em Sergipe (1985-2000), retornando ao período de Leandro Maciel, com incursões sobre a Velha República para detalhar a vida de Leandro, o pai, e finalmente desaguar na primeira década do século XXI. É uma vida inteira de dedicação aos estudos da Ciência Política colocando à serviço do nosso Estado a sua ciência e a sua competência.
A primeira constatação que me ocorre é pensar o quanto é difícil e o quanto de coragem é necessário para escrever sobre a história do tempo presente, quando tantos personagens ainda circulam nas diversas esferas de poder, e tantas outras, testemunhas dos fatos analisados, podem apresentar as suas versões, num tempo em que as versões muitas vezes se sobrepõem aos fatos. O Prof. Ibarê aponta as fontes (e são muitas!), indica os entrevistados, entre os quais o próprio biografado, e deixa pouca ou nenhuma dúvida sobre as múltiplas informações apresentadas no livro. Mais um ponto para o historiador do tempo presente.
Marcelo Déda foi batizado nas águas profundas do conhecimento pelo seu avô materno, pois declarou, segundo informações contidas no livro, “que ele foi ao longo da minha infância e da minha adolescência, na ausência, a mais marcante presença intelectual de minha vida”. E essa presença forte vai determinar o grande intelectual e eloquente orador que iria impressionar os pares no legislativo e conduziria mais tarde os rumos de Aracaju e do seu Estado em mais de um mandato.
Cumprido o rito do batismo, necessário se faz uma profissão de fé e ele o faz no movimento estudantil secundarista do Atheneu, por onde passaram grandes intelectuais e grandes líderes das lutas pela democracia, num tempo em que a escola pública referenciava a Educação no Brasil. Também na Universidade Pública iria exercitar ao máximo os atributos que se tornariam mais brilhantes na medida em que eram cada vez mais apurados pelas constantes e vigorosas leituras e por debates acalorados que exercitam o cérebro e assentam as convicções.
Os embates democráticos são sempre feitos de avanços e recuos, de vitórias e derrotas e Marcelo Déda viveu, com o fervor dos que creem, essas contradições, sacrificando muitas vezes no altar da democracia a sua governança. Mas essa fé inabalável o tornaria profeta das boas novas, a anunciar um novo tempo como o fez no seu discurso de posse ao primeiro mandato no governo do Estado quando alguns graves equívocos do seu partido ainda não o castigavam.
“Foi duro o caminho e árdua a jornada, mas chegamos. Como um marujo na gávea já podemos enxergar no horizonte sinais de um tempo novo e anunciar ao povo desta terra sergipana. Alvíssaras, meu capitão! O sonho de uma geração, a esperança que alimentou tanta luta, a fé que convocou tanta gente, é agora história!”
Como profeta da democracia, Marcelo Déda usou a sua retórica ao mesmo tempo bela e profunda, para encantar os corredores encardidos do poder, seja na esfera do partido, seja na esfera nacional onde a sua estrela brilhou ao ponto de ofuscar alguns sacerdotes. Como um bom democrata, amargou derrotas em lutas difíceis de serem travadas, mas que sorveu como cálice de fel sem nunca perder a ternura, poeta que era.
Olavo Bilac, empresta-me um dos versos de um dos seus poemas mais belos também chamado “Profissão de fé” no qual o grande poeta declara todo o seu amor à poesia dizendo: Invejo o ourives quando escrevo/ Imito o amor/Com que ele, em ouro, o alto relevo faz de uma flor/Imito-o”. Marcelo Déda, poeta que era, fez democracia imitando o amor com muito
cuidado – pelo seu partido, pelo povo e para o povo. Mas acima de tudo ele o fez com a fé baseada na Utopia de Thomas More que idealiza uma sociedade fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade.
Como bom cristão que foi, imagino que, no átimo de segundo que o separou desta vida conhecida para aquela que não sabemos, pensou, na lucidez que lhe restava como o apóstolo Paulo: combati o bom combate e guardei a fé. A fé que professara ainda jovem no velho Atheneu, que colocou em prática ao longo da vida e que deixa como legado à democracia e ao povo sergipano.
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