Por Henrique Maynart
Especial para o TAC
Colheres a postos, que quem gosta de etiqueta é caixa de mercearia. Água, fogo, verduras, carnes, massas, tchau e benção. Tudo junto e misturado na primeira refeição elaborada da história da humanidade, entupir bucho vazio com caldo, dignidade e doses pares de afeto. Pode vir que tem, Wilson Simonal não apita coisíssima nenhuma pelas bandas de cá, além do quê panelão que se preze é que nem o PT na chapa de Belivaldo Chagas nestas eleições: sempre cabe mais um. Coração e canja de galinha, só de mãe.
Como um prato servido quente, as sopas e caldos ganham predileção em regiões e lugares mais frios. Só que não. O bafo quente que sopra pelas beiradas de AjuCity não rende vacilo, seja no engarrafamento da Rio de Janeiro ou no bate-perna do Calçadão da João Pessoa, este último com direito a passar pelo “arzinho” das Lojas Americanas, ali pertinho da General Valadão. Pode bater o calor satânico que for, ninguém arrega da sopinha marota na hora da janta e tenho dito.
QUEBRADEIRA À FRANCESA
Guerra, privação e prato fundo. O gastrólogo e especialista em Gestão de Segurança Alimentar, Giuseppe de Oliveira, explica que o ensopado é um dos primeiros pratos elaborados a partir do domínio do fogo e da mistura dos alimentos, mas que a popularização do ensopado surge durante a Segunda Guerra Mundial, sobretudo na sociedade francesa.
“A ideia de se distribuir os chamados “caldos fortificantes” tomou corpo no decorrer da segunda guerra, já que a escassez de alimentos era uma realidade naquele momento, o preparo dela é mais simples. A forma como consumimos a sopa hoje foi consolidada neste período”, explica.
CUIDADOS COM O PREPARO
Giuseppe de Oliveira atenta para o cuidado no processo de confecção das sopas e ensopados. Mesmo se tratando de um prato relativamente simples, é importante estar atento para a condição das massas e legumes, além da temperatura. “A maioria dos estabelecimentos utiliza os ingredientes de sobra no almoço para compor a sopa, é preciso estar atento para a situação destes alimentos. O preparo deve sempre contar com alimentos frescos e aptos para consumo, mesmo que sejam aquecidos posteriormente. E todo o cozimento deve atingir a temperatura mínima de 65 Cº, para reduzir o máximo de micro-organismos maléficos ao nosso organismo”, alertou.
SOLIDARIEDADE A QUENTE
A gente poderia passar pelo Rei da Sopa – tanto o da Orla quanto o do Sol Nascente – e curtir o Espaço Kid´s que não deixa guri nenhum sem suor nem perna bamba pra render enjoo, dentre uma série de estabelecimentos que se destacam pela iguaria de água quente e fartura na capital sergipana. Porém, a reportagem optou em correr atrás dos caldeirões que rondam à procura das bocas que arrotam fome e bocejam privação, seja a população em situação de rua ou comunidades carentes da Grande Aracaju. Grupos religiosos, leigos, ateus e agnósticos que agem coletiva ou individualmente para atenuar as 1600 calorias diárias que não chegam, as mesmas que podem devolver o país ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), ainda no ano de 2018.
Adonias Resende tem 39 anos, é operador de Telemarketing e participa do Grupo Família Maria Madalena, uma organização de leigos religiosos que distribui pão, sopa e palavra amiga para a população de rua da Orla de Atalaia e dos Mercados do Centro. “A gente de mês em mês rateia suco, pão, café e sopa, geralmente uns 5 litros, e sai distribuindo, além de uma palavra amiga para acolher”, afirma. O grupo organiza esta ação há 10 anos, ele participa desde 2015.
O Instituto Salto Quântico, entidade espiritualista liderada pelo médium Benjamim Teixeira, também organiza distribuição de sopas através do Núcleo de Educação e Saúde Irmã Brígida. A organização surge em 1994 e distribui alimentos na comunidade do bairro Santa Maria. São 24 anos de trabalho material e espiritual todas as semanas, atingindo uma média de 90 pessoas. O Núcleo conta com 35 voluntários e 17 doadores fixos. “É um momento mágico de doação de si e que ajuda a fomentar o esclarecimento e a espiritualização de centenas de pessoas, que podem receber o pão do corpo, mas acima de tudo, o alimento do espírito” afirma Ângela Novais, diretora do Instituto.
SOPA NO ROSA
Conjunto Rosa Elze, São Cristóvão, 17 de maio de 2018. A reportagem do CINFORM chega exatamente às 19h42 na Escola Municipal de Educação Infantil Francisco da Costa Batista. Criança e fila e gritaria e gente que não parava de chegar na comemoração de 1 ano do Projeto “Tem Sopa No Rosa”. A ideia surge a partir de uma promessa organizada pelo marido de uma das integrantes, a advogada Laura Menezes, mentora do projeto que só parou de servir bolo pra tirar a foto do grupo. A ideia foi crescendo e o caldo engrossou: um grupo conta atualmente com cerca de 15 pessoas que correm atrás de legumes, massas e carnes (estas raramente), pão, suco e café para distribuir todas as quintas.
“Recolhemos as doações na segunda e na terça, seja nas nossas casas ou em contato nas redes sociais, prepara a sopa na quarta e distribui na quinta. É uma correria danada”, explica Raquel Passos, social media do projeto. O “Tem Sopa no Rosa” chegou chegando nas redes sociais em fevereiro deste ano, o que facilitou bastante não só a divulgação mas a interlocução com doadores e colaboradores.
“A gente atende basicamente 4 comunidades que vêm toda quinta: o Rosa Elze, o pessoal do Rosa Maria, Maria do Carmo e Barreiro. Quando a gente faz ações comemorativas além da sopa, como Dia das Crianças, a gente inclui a comunidade da Cabrita”, explica Catarina Belarmino, na correria esbaforida da distribuição. Catarina é moradora do Rosa Elze e ajudou a construir a intervenção na comunidade, além de organizar o cadastro das cerca de 50 famílias atendidas.
REPORTAGEM DE BICO SECO
Os números são bem convincentes: 105 litros de sopa servidos em 30 minutos, além de 450 pães e um bolão pra quermesse nenhuma botar defeito. Munida com uma panela pequena, da largura de um tamborim, Vera Lúcia dos Santos, 54 anos, moradora do Conjunto Maria do Carmo, não perde a deixa. “Esse punhado aqui rende dois dias com meus filhos e com minhas irmãs, além do pão”. A grande maioria da fila vem pegar a sopa pra levar pra casa, que muitas vezes constitui a única fonte de alimento por dias a fio. Quando o repórter pensou em entrar na fila pra experimentar a sopa, chega o informe derradeiro: acabou chorare, zé fini, fatality. Não sobrou pra quem quis, e o repórter estava de rango. O jeito foi bater palmas pro níver de um ano do projeto de bico seco, correr pra escrever a matéria e chegar mais cedo na próxima edição pra não perder a sopa. E, não menos importante, parabenizar a Amanda Barreto, integrante do projeto, que faz aniversário junto com o “Tem Sopa no Rosa”.
A MOSCA NA SOPA
Em seu livro “Quarto de Despejo”, um dos maiores best-sellers do mercado editorial brasileiro dos anos 60 até hoje, a escritora e catadora de papel Carolina Maria de Jesus afirmou que a fome tinha uma cor amarela, que a fome amarelava a vista. Mesmo diante do caráter paliativo e pouco resolutivo destas ações quanto às estruturas do que Josué de Castro estudou em “A geografia da fome”, ações de solidariedade como estas espalham fartura, sustento e um olhar com um pouco mais de cor para centenas de milhares de sergipanos e brasileiros pendurados no Mapa da Fome. Ensopar é preciso.