Depois da Carta Magna de 1988, conhecida como “A Constituição cidadã”, tornou-se um lugar comum que o Estado deva dar prioridade a duas pastas fundamentais para o bom desenvolvimento do país: a Saúde e a Educação. Não que as demais pastas não sejam importantes, mas esses dois setores têm total primazia. Foi isso que vimos no Brasil, historicamente, mesmo em períodos extremamente difíceis, como na era Collor. Mas, no atual governo de extrema-direita, nenhum dos dois se sustentam, nem qualquer outra área da sua gestão.

Como isso se tornou possível? Como viver num país que nem a saúde muito menos a educação são prioridades e, mesmo assim, esse governo ainda querer se reeleger? Como é possível que, diante deste cenário, haja ainda 30% da população querer esse mesmo governo para mais 4 anos?

Certamente o leitor ou leitora se lembra que, além do atual ministro da Saúde Queiroga, já passaram pela pasta: Pazuello, Mandetta e Nelson Teich. Isso tudo em meio a uma das maiores pandemias pelas quais a humanidade ainda está passando, levando quase 660 mil brasileiros à morte. Os argumentos desta tragédia brasileira são fartos: negação da doença, da vacina, de sua eficácia, de seu tratamento e, sobretudo, das medidas que poderiam ter evitado tantas mortes. Amparado por um governo negacionista, protegido por instituições que não funcionam e que acobertam muitos de seus feitos toscos, a população pobre e, sobretudo, preta, foi a mais atingida. As mortes causadas por esse mal continuam; o vírus permanece circulando pelo país; as medidas preventivas estão sendo cada vez mais atenuadas a tal ponto de o presidente querer acabar a pandemia por decreto. E tem gente que acredita que o vírus possa obedecê-lo. Oremos, irmão! Aleluia.

Pelo Ministério da educação já passaram Ricardo Vélez Rodriguez, Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli (ficou no cargo apenas 5 dias), Milton Ribeiro, e há poucos dias foi nomeado Victor Godoy Veiga, número dois da pasta e pessoa de confiança de Ribeiro. Todos eles, de um modo ou de outro, foram demitidos por causa de escândalo e polêmicas de toda ordem. Nenhum deles fez algo construtivo para o setor; nenhum defendeu a educação; nenhum marcou a gestão por algo positivo. De crise em crise, a educação brasileira vai sendo empurrada para a lata do lixo, sem nenhuma política pública efetiva. Desejado pelo “Centrão”, esse ministério é responsável por um dos maiores orçamentos do país e por isso aquela tradição de confiá-lo a uma pessoa de perfil técnico e competente na área foi abandonada para entregar a pastores que não têm compromisso com a educação, mas para com seus fiéis rebanhos, a preço de ouro. Oremos, irmão, mais uma vez e com maior convicção!

Para onde vai este país sem saúde e educação? Como haver política pública com tantas mudanças nessas pastas em tão pouco tempo?

Pergunto ao leitor ou leitora: você trocaria a escola de seu filho ou filha 5 vezes num curto período? Você acha que seu filho ou filha aprenderia algo com tantas mudanças e sem continuidade? Você acredita que seu filho ou filha se adaptaria a esse caos, ainda mais nessa época de pandemia? Não podemos esquecer que Ribeiro não realizou nenhum mapeamento que mostrasse os impactos do fechamento das escolas devido aos casos de coronavírus, e que todo o trabalho foi feito por estados e municípios, além dos próprios profissionais da área, que procuraram alternativas na adaptação ao ensino remoto. Ainda nessa gestão de Ribeiro, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável por elaborar e aplicar a prova do Enem, viveu sua pior crise da história. Semanas antes do exame, dezenas de servidores pediram demissão citando fragilidade técnica no preparo das provas e da logística do exame nacional. Tudo isso provoca insegurança jurídica, técnica, e desconfiança na própria instituição.

Um dos pastores envolvido no lobby do Ministério da Educação sobre a distribuição de verba para os municípios apresenta na sua conta do Instagram mais de 154 mil seguidores. Por meio dela, oferece um curso online para pregadores e vocacionados, com “o objetivo de preparar jovens, obreiros, pregadores e líderes com vistas à formação bíblica e teológica (…)”. Mas, para isso, exige um preço, a peso de ouro. Sim, os mercadores da fé não fazem nada em vão, mesmo que usem o santo nome de Deus em vão. “Ouremos”, irmãos! Só o ouro pode nos salvar desses males…

O mais espantoso é que: com tantas mortes pela COVID-19; com tanta gente revirando o lixo ou buscando ossos porque não têm dinheiro para comprar a carne; com o botijão de gás batendo perto dos R$130,00; com o preço da gasolina chegando a R$8,00; com a inflação galopante corroendo nossos salários, ainda há pastores e pastoras que defendem o atual presidente para a reeleição. Se este cenário continuar, das duas, uma: ou a reza está sendo muito fraca ou a mina de ouro está minguada. Se for a primeira, é preciso aumentar o valor da segunda. Nos dois casos, não há salvação para o Brasil. Não há reza nem mina de ouro que dê jeito neste país.

[1] Professor de ética e filosofia política da UFS onde é líder de Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política da mesma instituição, vinculado ao CNPQ.