A servidora pública Carina Cantanhêde viveu momentos de extrema felicidade e aflição em um curto intervalo de tempo. Ela foi da alegria explosiva ao dar à luz ao seu segundo filho, Anthony, à angústia de acompanhar o seu internamento 11 dias após o nascimento. “É horrível vê-lo passar por essa situação. Tão novo e indefeso”, relata a mãe. O filho de Carina acabou contraindo um quadro respiratório com pneumonia, foi medicado, saiu do oxigênio e da sonda e já está amamentando. “Quero vê-lo em casa, mas segura que ficou 100% bom”, diz.

O aumento dos casos de síndromes gripais nos últimos dias tem provocado superlotação dos leitos pediátricos no estado de Sergipe. A causa disso é a chamada sazonalidade, que ocorre nos meses mais frios do ano. No período outono/inverno aumentam bastante os casos de doenças respiratórias virais porque a queda e as oscilações de temperatura, em conjunto com o tempo seco, favorecem a propagação dos vírus respiratórios. Porém, esse ano a população vive um momento de maior gravidade.

O filho de Carina, Anthony, começou a sentir os sintomas com oito dias após o nascimento

Todo esse pandemônio tem sido provocado por uma condição que afeta, principalmente, os bebês: a bronquiolite, infecção dos bronquíolos causada por vírus. Pelo fato do seu aparelho respiratório não estar totalmente desenvolvido, os bebês prematuros e menores de um ano correm maior risco de contrair essa doença grave. “Começa como um resfriado, uma corisa, febre, tosse e recusa alimentar. Normalmente, o organismo da criança reage à infecção inicial e combate a doença”, explica a médica Drª Ana Jovina Barreto Bispo.

Em algumas crianças, sobretudo as menores de seis meses, os bebes que têm doença cardíaca e os que nascem prematuros, podem evoluir para inflamação dos bronquíolos e dificuldade respiratória com necessidade do uso de oxigênio. “A bronquiolite pode evoluir com insuficiência respiratória e levar ao óbito. Em casos sem sinais de gravidade, sem fatores de risco para doença grave, o atendimento deve ser ambulatorial, em unidades básicas de saúde ou consultórios. Mas se houver algum sinal de gravidade ou fator de risco para doença grave, o atendimento deve ser em serviços de urgência”, informa a médica.

Drª Ana Jovina, presidente da Sociedade Sergipana de Pediatria

 Momento crítico

Segundo a pediatra, o cenário é assustador. O momento é tão grave que pode ser comparado à fase mais crítica da Covid-19, com leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermaria lotados, crianças aguardando vagas na urgência, hospitais sem conseguir atender a demanda e óbitos infantis, como o que aconteceu no Hospital Municipal Fernando Franco, em Aracaju, quando uma bebê de quatro meses morreu enquanto aguardava por uma vaga em um leito de UTI na rede estadual.

No Hospital e Maternidade Santa Isabel o atendimento da Urgência Pediátrica está restrito há quase duas semanas. Segundo a unidade, o atendimento é prioritário para pacientes com classificação de risco amarela ou vermelha. “A unidade encontra-se, no momento, com superlotação em todos os leitos de alta complexidade (UTI Pediátrica, Estabilização, Semi-Intensiva e UTI Neonatal) e nos leitos de enfermaria comportando crianças a mais que a nossa capacidade. Diante da situação preocupante e pela segurança dos nossos pacientes pediátricos, muitos em estado crítico, orientamos as famílias, dependendo dos sintomas apresentados pela criança, a buscarem atendimento em outros hospitais da rede ou UBSs”, diz o comunicado.

Drª Ana Jovina também alerta para a escassez de profissionais. Segundo ela, os serviços pediátricos de saúde, tanto públicos como privados, ambulatoriais e de urgência estão com uma demanda muito elevada, o que levou a uma necessidade de contratação de mais profissionais. “Chegou o momento que está muito difícil ampliar a contratação”, lamenta.

Números em Sergipe

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (SES), foram notificados entre 1º de janeiro a 23 de maio, 1021 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Do total de casos notificados de SRAG, 634 foram crianças de até dez anos. Dentre essas, 363 menores de um ano. Quando analisado o tipo SRAG por agente etiológico identificado, é possível verificar a diferença entre as faixas etárias. Em crianças de até dez anos o VSR foi isolado em 15,5%, seguido de Influenza (4,4%) e Covid-19 (2,8%). Nas demais faixas etárias a Covid-19 foi a principal causa identificada de SRAG, mas também ocorreram casos de Influenza e VSR.

Com relação aos óbitos, foram contabilizadas 50 mortes por SRAG, dos quais 28 (56%) não teve o agente etiológico isolado, 14 (28%) atribuído a Covid-19, 3 (6%) ao vírus Influenza e 5 (10%) ao VSR. Destaca-se que, em crianças de até 10 anos, 33,3% foram devido ao VSR, enquanto as pessoas com 61 anos e mais, 36,7% foi por Covid-19.

Maternidade Santa Isabel está com o atendimento restrito

Ampliação de leitos

Em virtude da alta demanda de casos, o Governo do Estado ampliou em 47 o número de leitos pediátricos, em menos de cinco meses. No Hospital de Urgências Governador João Alves Filho (Huse), somente este ano, foram implantados 21 leitos qualificados (vermelha e amarela); quatro leitos de estabilização em Estância e 12 leitos de enfermaria no Huse e mais dez leitos no Hospital Santa Isabel. A Secretaria de Estado da Saúde (SES) entregou dez leitos de alta complexidade no Hospital e Maternidade Santa Isabel. Os novos equipamentos foram implantados com objetivo de garantir a assistência às crianças com casos graves.

A Prefeitura de Aracaju ampliou o atendimento a pacientes com síndromes gripais na Rede de Atenção Primária. Com isso, dez Unidades Básicas de Saúde (UBSs) passaram a atender como referência em pediatria desde a segunda-feira, 29. Fazem parte do plano de contingência as UBSs Augusto Franco (Farolândia), Geraldo Magela (Orlando Dantas), Ministro Costa Cavalcante (Inácio Barbosa), Manoel de Souza (Jabotiana), Cândida Alves (Porto Dantas), José Machado (Santos Dumont) e Onésimo Pinto (Jardim Centenário), todas com funcionamento das 7h às 19h; as UBSs Osvaldo Leite (Santa Maria) e João Bezerra (Mosqueiro) funcionarão das 7h às 17h; e a UBS José Augusto Barreto (Japãozinho), das 7h às 16h.

Uma das principais medidas de prevenção é manter as vacinas do calendário atualizadas

Prevenção

A presidente da Sociedade Sergipana de Pediatria acredita que a baixa adesão à vacinação contra a gripe e covid-19, aliada à considerável queda da cobertura das demais vacinas nos últimos anos, seja um importante fator para este aumento dos casos mais graves. “Estamos vivendo um período crítico em relação à saúde da criança. Muitas crianças adoecendo com uma gravidade maior e o resultado é o serviço de saúde lotado. É importante vacinar os filhos contra gripe, covid-19, ou seja, manter as vacinas do calendário atualizadas. Nunca mandar criança doentes para escola. Se tiver a possibilidade, não mandar para a escola, mesmo a criança saudável nesse momento mais crítico’, explica Drª Ana Jovina.

Segundo a especialista, é importante manter alguns cuidados com as crianças, como evitar aglomerações e ambientes fechados e ter um cuidado especial com os bebês muito pequenos, evitar receber visitas e circulação. Além disso, Drª Ana Jovina orienta que os pais devem ofertar uma alimentação saudável, com alimentos in natura ou pouco processados.
“É importante também que os adultos sejam exemplos, usando máscaras quando doentes, ensinando sobre lavagem constante das mãos e limpeza de superfícies”, conclui.

 

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