Decisão de juíza em Brasília, que reconheceu irregularidade na prática, abriu espaço para retorno das discussões

Nas últimas semanas, a discussão sobre a disparidade entre os preços pagos por homens e mulheres em festas veio à tona mais uma vez. O assunto voltou ao centro do debate em todo o Brasil depois que a juíza Caroline Santos Lima, do Distrito Federal, decidiu pela ilegalidade da prática em um processo contra uma produtora de eventos brasiliense. A decisão pode vir a se tornar um parâmetro no âmbito judicial, obrigando as casas de show a estabelecer valores iguais para todos.

Valdilene torce para que preços iguais se tornem lei

Em janeiro de 2017, o Cinform levou o assunto à capa da edição 1761, provocando uma discussão generalizada em todo o Estado. A matéria questionou a tática emprega da por algumas casas de show da capital, que colocam as mulheres como alvo de suas promoções. Nesse esquema, são elas que pagam valores reduzidos ou entram de graça, assim como são beneficiadas nos chamados “open bar”.
A estratégia, em tese, favorece o público feminino e garante casa cheia, rendendo lucro aos empresários. Só que, nesse ponto, os interesses morais e econômicos acabam se confrontando. Há quem argumente que os preços diferenciados beneficiem, na verdade, os homens, já que as mulheres, dessa forma, serviriam de chamarizes para o público masculino. A ideia é veementemente negada pelos produtores, mas ganha força entre os consumidores de eventos.

DIREITO
O caso que motivou o parecer da juíza Caroline Lima foi levado à Justiça por um homem, que se sentiu lesado pela cobrança superior ao público masculino em determinada festa. Em sua decisão, a juíza afirma: “É incontestável que, independentemente de ser homem ou mulher, o consumi dor deve receber tratamento isonômico. A partir do momento em que o fornecedor faz a oferta de um produto ou de um serviço, deve oferecê-lo a homens e mulheres de maneira igualitária”.
Para emitir seu pronunciamento, a juíza baseou-se no princípio de que todos são iguais perante a lei, como aponta o artigo 5º da Constituição Federal. Acontece que a possibilidade de fixar diferentes preços também é assegurada pela Constituição, seguindo o princípio da livre iniciativa. Por essa ótica, o Estado não poderia interferir na formação dos valores nem impor quanto deve ser cobrado.
Como ainda não há consenso do ponto de vista do Direito, é o consumidor quem acaba decidindo. A indicação conjunta dos advogados André Luís Teixeira e William Araújo, que atuam na área consumerista, é a seguinte: “Tanto homem quanto mulher que se sentir lesado pela aplicação de preços diferenciados poderá exigir do estabelecimento que seja aplicado o mesmo valor. Caso o estabelecimento não o faça, o consumidor poderá dirigir-se ao órgão de defesa ao consumidor, munido de provas”.

ARGUMENTOS
Acontece que nem todo mundo se dá por satisfeito com a possibilidade de recorrer ao Direito do Consumidor. O que se quer mesmo é uma mudança de postura dos estabelecimentos. A advogada e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Sergipe – OAB/SE, Valdilene Martins, defende preços iguais para todos.

Karla: “mulheres bebem menos do que os homens”

“A decisão da juíza do Distrito Federal foi extremamente acertada. Concordo e espero que se torne jurisprudência. O intuito dessas promoções é que a mulher se torne mercadoria. Não é um benefício, é uma discriminação. Os produtores de eventos que praticam essa diferenciação consideram que a mulher seja produto, e não público”, afirma.
Os argumentos que sustentam a diferenciação de preços são inúmeros. Um deles é o de que o público masculino consome ma is bebidas alcóolicas e, portanto, traria prejuízos caso fosse incluído no “open bar”. Outro é o de que as mulheres ganham menos do que os homens e, logo, estariam recebendo uma compensação. Para Valdilene, nenhuma dessas justificativas é válida. Ela acredita que mesmo quando a própria mulher reivindica as promoções, é por falta de esclarecimento sobre o significado dessa medida.

CRISE
“Se o homem bebe mais, é por que a mulher foi proibida de beber durante toda a sua vida. A mulher que bebe sempre foi vista como vulgar e libertina. Hoje, a mulher se equipara ao homem em relação ao consumo de bebidas. Quanto à ideia de que a mulher recebe menos, não deixa de ser verdade. Mas você não vai ao teatro ou ao cinema e pede para pagar meia só por ser mulher. Então, por que isso deveria ser válido em uma festa?”, pontua a advogada.
O proprietário de uma conhecida casa de shows localizada no Bairro Luzia, em Aracaju, afirma que o único propósito de diferenciar os preços é resistir à crise. Ele pediu que seu nome e o de seu estabelecimento não fossem divulgados.

Tirzah: “não permito que isso aconteça nos eventos que promovo”

“A crise está aí, prejudicando todo mundo. A nossa casa é a única que abre de terça a domingo, as outras só abrem no fim de semana. A gente está fazendo o que pode para não fechar, por que não existe mais público”.
O empresário afirma que tenta não abusar das promoções, utilizando esse recurso apenas em dias de pouco movimento. “Não é usar as mulheres, é tentar manter uma opção de entretenimento, já que todas as casas de Aracaju estão se acabando”, afirma. Mas nem todos os produtores de eventos e proprietários de casas noturnas pensam dessa maneira.

CONTRA
“Mulheres pagarem mais barato em bares e baladas é só para fisgar homens. O homem vê que a mulher vai pagar menos e, logo, pensa que o lugar vai ficar cheio de mulheres. Esse pensamento é errado, por que esses estabelecimentos e homens tratam as mulheres como isc as e objetos. Eu me sinto desconfortável e desrespeitada, por isso, não vou a lugares assim. E como dona de estabelecimento, mulher e feminista, não permito que isso aconteça em nenhum dos eventos que promovo”, afirma Erica Tirzah Lima, proprietária e produtora d’O Beco.
O Olho Vivo entrevistou mulheres de diferentes profissões e idades para saber suas opiniões sobre a cobrança diferenciada em bares e festas. A maioria se mostrou contra a disparidade de preços. Confira no boxe.

Promoções para mulheres: contra ou a favor?

Jaíny: “a publicidade sexualiza a mulher”

“Se todos são iguais perante a lei, por que essa diferença de preço? A sociedade busca constantemente essa igualdade entre homens e mulheres, portanto isso deve acontecer em todos os aspectos”
Clariana Carla Batista, 30 anos – Advogada

“É ridículo como a publicidade, no geral, sexualiza a mulher. A sociedade é muito alienada. Essa falta de percepção faz com que sejamos vendidas como atrativo para festas de forma velada. Tanto homens como mulheres veem a entrada free ou mais barata como vantajosa, mas isso não é apenas uma cortesia”
Jaíny Gonzaga, 22 anos – Estudante

“Vivemos em um mundo em que a mulher cada vez mais vem conquistando o seu espaço e mostrando que pode e deve ter direitos iguais em incontáveis quesitos. Mas, no quesito festa, deve ser levado em consideração que a maioria das mulheres bebem menos do que os homens, o que justificaria a existência da diferença de preços”
Karla Priscilla, 27 anos – Nutricionista

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