Esta semana fomos assolados por gravíssimas denúncias que apontam para o mau uso dos parcos recursos de nossa educação. Recursos esses que estariam sendo desviados ou direcionados para usos religiosos ou de religiosos. Tais maus usos estariam sendo viabilizados   por intermédio de pastores ligados ao ministro da educação, ele mesmo um pastor.

Obviamente, que não são todos os religiosos que se corromperam, mas, sair das igrejas e invadir os espaços laicos e republicanos, no meu entender, já denota fortes indícios de “corrupção”. Corrupção de ideais e de objetivos. Ao invés de pregarem o evangelho com vistas ao benefício do povo, muitos desses “religiosos” dedicam-se ao enriquecimento e empoderamento pessoal. Enriquecimento evidenciado nas “listas dos homens e mulheres mais ricos do país”, onde vemos inúmeros pastores e bispos. Contrariando alguns dos mandamentos mais sagrados como o “não matarás”, alguns pastores defendem a tortura e ungem armas que dizimam nosso povo. Outros, se aliam aos vendedores de venenos e retiram direitos dos trabalhadores. Conforme afirmei acima, acredito que muitos religiosos seguem lutando pelas ideias de Cristo, mas o difícil mesmo, para usar de uma linguagem bíblica, é separ o excesso de joio, em meio ao pouquíssimo trigo.

O conceito de laicidade parece ter sido perdido ou encoberto por tantos escândalos. Nesse sentido, gostaria de relembrar aqui o artigo 19 de nossa Constituição cidadã de 1988, que diz ser vedado à União e demais entes estatais “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”.

À despeito e em contrariedade evidente com o que estabelece nossa Constituição, vemos que a participação em determinados credos religiosos virou critério para que se possa assumir vagas em ministérios,  vender vacinas e mesmo intermediar recursos públicos.

Poderíamos nos perguntar se tais práticas são recentes, se pertencem à uma única afiliação religiosa, ou se já vêm de longa data.

A história da humanidade nos mostra que sempre que religião e política se misturaram os resultados foram catastróficos tanto para a política quanto para as religiões. Religiões estas  que deveriam se dedicar, exclusivamente, aos fins espirituais e nunca à fins políticos e pecuniários.

Lembro-me de minha mãe contando que em sua época, ainda no século passado,  “padres e bispos” vendiam cadeirinhas no céu, e podia-se optar por cadeirinhas de ouro ou de prata, a depender da renda e das “necessidades” de cada um. Nos últimos governos que tivemos em nosso país, era grande a pressão da dita “bancada evangélica” para conseguir concessões de rádio e televisão.  Aliás, gostaria de lembrar aqui as premonitórias palavras do grande político Leonel Brizola. Ele costumava dizer que  “Esses pastores querem é estação de rádo e dinheiro. São adoradores dos bezerros de ouro”. Infelizmente, parece-nos que aquilo que dizia Brizola, se confirmou.

Mas afinal,  o quê fazem os pastores e religiosos “terrivelmente evangélicos” no Ministério da Educação?

Segundo denúncias e muitos indícios, eles “ouram”. Transformam falência crítica e cortes nas verbas educacionais em enriquecimento privado. Auxiliam na dilapidação do patrimônio público com vistas ao ouro terreno. E, invertendo a máxima cristã de abrir mão das riquezas  e “dar ao pobres”; eles, ao que tudo indica,  acaparam os escassos recursos que ainda restam para salvar a combalida educação brasileira e os transformam em ouro privado. Para além da venda de “feijões mágicos” e lugares privilegiados no céu, realizadas diuturnamente através das cossessões públicas de rádio e televisão; aparentemente, e conforme denúncias vindas à público nesta semana,  eles “ouram” com tráfico de influência na liberação de recursos educacionais.

Há tempos vemos os maus religiosos saírem das igrejas e invadirem os espaços educacionais, científicos e republicanos. Atacam os professores, os currículos, os “direitos humanos”, a liberdade de direcionamento sexual, o bom senso, a ciência e outros pilares de nossa enfraquecida democracia. Penso que já é hora de voltarem para suas igrejas e  começarem  a cuidar dos pobres, dos desassistidos e dos autênticos fins espirituais. Isso sob pena de causarem males ainda maiores, seja para as nobres ideias autenticamentes religiosas, seja para a vergonhosa política antidemocrática e corrompida que nos assoala a todos.

Na esteira do que nos dizia o ilustre filósofo Condorcet, no final do século das Luzes, “A instrução pública é um dever da sociedade para com os cidadãos”. Tendo  isso em vista, penso que o projeto de desmonte da educação, do pensamento crítico e laico, é causa mas também é efeito de nossos descuidos com a vida democrática e republicana. Mais ainda, penso que é fruto de nossos descuidos com a formação de cidadãs e cidadãos críticos e cônscios de seus direitos e deveres. Ao invés de darmos dinheiro e atenção aos “ricos pastores” e mercadores de almas, seria melhor investirmos tempo e dinheiro para desfazermos a tragédia que assola nosso “Ministério da Falta de Educação”.

* Professor de Ética e Filosofia Política no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe. É membro do Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política da mesma instituição.

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