Os talibãs, que instauraram o Emirado Islâmico depois da reconquista de Cabul, declararam uma “anistia” em todo o Afeganistão e defenderam a participação das mulheres no governo. Apesar das promessas dos talibãs de maior moderação, o povo afegão permanece cético e teme um retrocesso na sociedade, principalmente as mulheres.
Enamullah Samangani, membro da Comissão Cultural do Emirado Islâmico, fez os primeiros comentários sobre o novo governo do Afeganistão após a reconquista do país por parte do grupo extremista islâmico.
Em discurso transmitido pela televisão do antigo Estado afegão, controlada desde domingo (15) pelos talibãs, Samangani afirmou que “o Emirado Islâmico não quer que as mulheres sejam vítimas”, defendendo que “elas devem estar na estrutura do governo de acordo com a lei sharia”.
O representante do Emirado Islâmico acrescentou que “a estrutura do governo não está totalmente definida”, mas afirmou que “com base na experiência, deve haver uma liderança totalmente islâmica e todas as partes devem juntar-se”.
De acordo com a Associated Press, que cita a declaração transmitida pela televisão, Samangani não avançou com mais detalhes, mas sugeriu que o povo afegão já conhece as regras da lei islâmica que os talibãs esperam que sigam. “O nosso povo é muçulmano e não estamos aqui para os forçar ao Islã”, disse.
Por outro lado, os insurgentes declararam que “uma anistia geral foi declarada para todos e que, por isso, todos devem regressar à normalidade, em confiança”.
Extremismo
Apesar das promessas dos talibãs de maior moderação, o povo afegão permanece cético e teme um retrocesso na sociedade, principalmente as mulheres, que durante 20 anos lutaram pela sua independência.
Entre 1996 e 2001, sob governo dos talibãs – que têm interpretação extremista da lei islâmica –, as mulheres estavam em grande parte confinadas às suas casas, sem direito à educação. Eram obrigadas a usar burca e impedidas de sair à rua sem um homem a acompanhar.
Agora, os talibãs afirmam que não será negado o acesso à escola às mulheres e meninas, mas a vida das mulheres afegãs já mudou com a chegada dos extremistas ao poder. Os centros de estética foram fechados em Cabul e os cartazes com mulheres foram retirados das ruas. Uma imagem de um homem a cobrir cartazes de mulheres nas vitrines das lojas está se tornando viral nas redes sociais.
Os talibãs também anunciaram que não iriam se “vingar” daqueles que trabalharam para o governo ou para os serviços de segurança, mas as suas ações transmitem mensagem oposta. No mês passado, depois de terem conquistado a cidade de Malistan, na província de Ghazni, membros do grupo extremista foram de porta em porta em busca de pessoas que tinham trabalhado para o governo, tendo matado pelo menos 27 civis.
Aeroporto
De acordo com relatos das agências internacionais, “a calma voltou ao Aeroporto Internacional de Cabul depois de um dia caótico, marcado pela invasão de centenas de pessoas à pista do aeroporto, numa tentativa desesperada de fuga a bordo dos aviões dos Estados Unidos.
Alguns vídeos mostram pessoas se pendurando nas laterais do avião, havendo relatos de vítimas que caíram quando houve a decolagem. Os soldados norte-americanos foram obrigados a disparar para dispersar multidões. Há registro de pelo menos sete mortos nessa segunda-feira (16) no aeroporto de Cabul.
Hoje, o número de civis no aeroporto é muito menor, e os voos militares de repatriamento foram retomados. Dois aviões militares, um francês e um alemão realizaram a primeira retirada de pessoas de Cabul.
Um avião militar francês fez, de madrugada, a primeira retirada de pessoas do aeroporto. “Uma espécie de ponte aérea” deve tirar do país os franceses e os civis afegãos que colaboraram com o seu Exército entre 2001 e 2014.
“Lançamos as bases para uma ponte aérea entre Cabul e Abu Dhabi”, disse a ministra da Defesa francesa, Florence Parly, em entrevista à rádio RTL, acrescentando que novos voos poderão ser organizados nos próximos dias.
A França enviou dois aviões militares para a sua base nos Emirados Árabes Unidos para organizar o repatriamento das “várias dezenas” de franceses que permanecem no Afeganistão e dos afegãos que trabalharam para as suas forças armadas durante a missão internacional naquele país.
Parly não quis dar uma estimativa de quantos afegãos poderiam chegar à França dessa forma, considerando que seria prematuro. Segundo a ministra, nos últimos anos, já houve “várias centenas” de pessoas que saíram do país.