O Brasil tem uma longa tradição em relação ao voto como instrumento de participação política. Mas, ao longo de sua história republicana, o uso desse instrumento foi conflituoso.

Certamente o pioneiro na análise dessa questão foi Victor Nunes Leal, numa obra clássica que se intitula “Coronelismo, Enxada e Voto”, publicado em 1948, em que o autor analisa os métodos e procedimentos utilizados pelas oligarquias para assegurar o controle das eleições e a exclusão de boa parte da população na Primeira República (1889-1930), de modo particular, no Nordeste brasileiro.

De lá para cá, o Brasil conseguiu aperfeiçoar as estratégias do controle eleitoral retirando, ao menos em parte, o poder dos políticos sobre a população votante para as mãos da justiça eleitoral, o que significa dizer que, com esses avanços, ganhamos em termos democráticos.

Foi nesta perspectiva que, definitivamente em 2000, acabamos com o voto de papel e consolidamos um dos avanços mais bem sucedidos em nossa história política: as urnas eletrônicas. Essa invenção brasileira, admirada pelo mundo todo, tem sido objeto de contestação, de forma mais enfática, desde as eleições presidenciais de 2014. No atual governo da extrema-direita, o voto impresso tem sido a bandeira número um de seus projetos.

A pergunta que não quer calar é: como o maior mandatário do país foi eleito, juntamente com seus filhos, e não acredita na segurança da urna eletrônica? Do ponto de vista lógico, essa mesma pergunta gera outras: se há dúvida sobre o resultado das urnas, então, poderíamos dizer que os atuais políticos seriam uma fraude, seu fruto material? Essa mesma urna não possibilitou a ele e a seus aliados a vitória por tantos anos? Como um time que está ganhando põe em xeque sua própria vitória? Ou a preocupação do atual presidente do país, bem como de seus seguidores aguerridos, seria um zelo democrático?  Mas, neste caso, por que ele tem sido agressivo com o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral que tem dito, sistematicamente, que “o voto impresso é uma solução ineficaz para um problema inexistente”? Por que deixar de lado um sistema que funciona e dá certo por um outro que, além de incerto, custará aos cofres do país mais de dois bilhões de reais? O certo mesmo é que há muita confusão nesse debate e, para tentar esclarecê-lo, tentarei sistematizá-lo, ainda que brevemente.

Ao que tudo indica, o presidente do país já vislumbra sua própria derrota e precisa justificá-la de algum modo. Como tem sido feito desde quando chegou ao seu palácio, ele sempre atribui a terceiros seus próprios erros, incompetências e derrotas. No caso do voto impresso, ele se apega a uma tensão histórica, própria do instrumento do voto: a relação entre a possibilidade de verificação do voto e a garantia de sua privacidade. Ou seja, como auditar o voto sem que ele seja revelado? Ora, se o voto for impresso, poderia haver a violação da liberdade de escolha e, portanto, haveria também a possibilidade de coerção por parte de terceiros.

Mas, há uma outra razão para que a extrema-direita queira o voto impresso: derrotada nas urnas eletrônicas, pode espalhar notícias falsas e, com isso, entrar com processo na justiça eleitoral e instalar uma instabilidade jurídica e institucional. Num país que tem historicamente marcado o “voto de cabresto”; que está infestado por milícias, armadas até os dentes, e com o voto “descoberto”, o que será de nós? O que o leitor, minimamente esclarecido, pensa desse cenário?

É verdade que não há 100% de garantia que o sistema seja seguro, mas também é verdade que todas as tentativas de fraudes foram apuradas e as denúncias nunca foram comprovadas. Não há um único argumento que se sustente para justificar a volta do voto impresso. Como tudo desse governo, esse debate é superficial, sem vinculação com a verdade, e manipulador. Ele é apenas mais um mecanismo desse governo para tumultuar o sistema eleitoral e justificar sua derrota, quando 2022 findar.

É Professor de ética e filosofia política da UFS e líder do Grupo de Pesquisa ética e filosofia política da mesma instituição.

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